Indizível condição verbal

Há espera em toda paterninade. Há saudades indizíveis. Paradoxais sentimentos, urdidos ou ardidos pela nossa imaterna circunstância, estapafúrdia.

Vivo me remendando, a duras penas. Crítico cruel de mim mesmo, não dou tréguas para minha inaptidão. Quero ser cada vez mais sensível, terno, cuidadoso, carinhoso, precisando demonstrar que o ser paterno marca a cisão, alude o mundo e seus perigos, incita ao voo para fora do ninho. 

Minto. Quero-as aninhadas, comigo, aprendendo a cozer a rotina no cotidiano sem graça da vida comum. Com duas, com minhas três. Firo-me na falta. 

Hoje, deitado do lado, vendo a mais nova ouvir estória antes de dormir, luo-me.

Os japoneses tem uma coisa bonitinha demais: colocam "chan" (lê-se [tchan]) depois do nome, ao citar a criança, para demonstrar que estamos nos referindo à filha pequenina. Maria-chan.

Maria-chan sentadinha no travesseiro de perninhas abertas, para que a mãe pousasse a cabeça no mesmo travesseiro, um quase colo deitada na cama, com a lanterna pousada sobre os seios, iluminando o livro infantil, claridade refletida no rostinho da minha menina - sombra encaracolada na parede. Meias listradas, pijamas de fleece, quentinho no semblante, marcas do escuro do que anoitece em nós. Em mim, a noite tece esp(h)erança. 

"Papai" é um verbo intransitivo. Enquanto viver, que a memória não me esconda este dia, não me tire esta cena, nem toda a indizível parte que não consigo traduzir em palavras. Quando a irmã mais velha finalmente sentir saudades do que não viveu, todo o complemento verbal fará o maior sentido.



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