Deus abençoe o Jaro

 Não sei como dar título a esse texto.

Acabei de ouvir novamente Swami Jr. e Tabajara Belo no episódio Aquidistantes 7, coloco o link aqui na postagem. Aliás, sugiro que clique no play se tiver interesse em ler o resto do texto.


É a segunda vez que vejouço essa gravação. Na verdade, a terceira, porque é a segunda vez agora que vejouço enquanto escrevo. Quarta. 

A primeira vez que ouvi não estava preparado para ela. Não me bateu como hoje. Curiosamente, isso me lembra do meu trabalho de doutoramento na Universidade do Porto, onde tento sofridamente ainda querer provar que a comunicação está mesmo no receptor, e que todo mundo estava errado quando propôs os modelos de comunicação que aprendi na faculdade, ainda na década de 90. Coisa de menino que não aceita que o sonho acabou, que foi todo mundo pra casa e ele está só, chorando sozinho à noite sentado no meio fio.

Meu fio meio é filha.

Filho-me quando digo todos os dias para minha mãe que a amo. Filho-me quando converso com meu pai, da maneira que ele consegue pai-se-er. 

Apaissento meu coração. Tabajara acumplicidou-se com o tempo. E vê o cisne-seu, amigo, mergulhar.

Essa é uma música besta. Manjada. Manjar. Todo mundo gosta. Porque ela fala que um dia a gente brincou no quintal. Já chupou manga tirando a casca com o dente, correu de chinelo havaiana e ralou o joelho na terra vermelha. Meus olhos estão sujos de terra, só pode ser isso. Tropeço nas cordas dos violões com seis ou sete cordas. E dói. Dói porque elas estão tensas para que o som voe longe, atravessem o oceano das distâncias possíveis e impossíveis. Viva a internet. Viva o filho da puta que inventou o facetime e a chamada de vídeo, é uma pena que meus amigos não me liguem. Tudo bem, um ou dois ligam, talvez três, quando lêem um texto meu como esse, reflexo da culpa. Ninguém tem culpa. Estamos todos somente tentando não tropeçar nas cordas tesas do destino, do dia-a-dia, que tem cordas tesas até na expressão. Me sinto essa letra "a" no meio de dias, mesmo sendo "b". Talvez devesse ter escrito "dia-b-dia". 

Ninguém entendechoraria.

Mas esse texto não era para isso, era para falar da beleza deles, da sincronicidade, do sincronisertão, do amor em forma de música que duas pessoas podem fazer, sem nem estar pelado e nem causar furor. A sensibilidade é uma forma de amor. A delicadeza é uma forma de amar. Vendo o cisne me lembro da música que era quando minha mãe me levava à Praça dos Três Poderes para jogar pipoca para os cisnes e vê-los traçar um V de menino na água. Minha lembrança mais remota da beleza sutil do movimento da água. Que acorde teria? Um acorda menino, talvez.

Eu era tão pequeno. Como posso ser assim ainda? Como posso ser mais ainda, não tendo a mesma beleza, a mesma ingenuidade, a mesma frescura, a mesma doçura? Mesmo diminuindo não consigo soar mais limpo, puro. Talvez você músico entenda o que gostaria de dizer. Vibratos anelares do Belo que existe em nós.

É tão triste fazer 50 anos e ter minha filha de 12 anos sem falar comigo. Tão triste. Tão triste. São doze de pausa na música da espera. Sabe, quando meu pai fez 50 anos eu tinha 21. Na ocasião, escrevi para Gilberto Gil. Entendi que os 50 anos dele eram importantes de verdade. Juntei todas as economias que tinha e ofereci para o Gil e a Flora, mulher dele, para virem almoçar com meu pai em Belo Horizonte, no sítio que tínhamos, a Matinha. Falei que aos 3 anos de idade eu cantava Refazenda. (Grandes merdas, minha filha de três canta Imagine do John Lennon, todas as músicas do Frozen em Português do Brasil, de Portugal e em Inglês. E da Moana também, enfim). Falei da primeira vez que encontrei com o Gil com 9 anos no Palácio das Artes, quando meu pai era superintendente da instituição, das outras vezes que encontramos, do acordeão, instrumento que une os dois, separados por um ano de idade, mas caminhantes de mãos dadas, como queria Drummond. Ele não foi. Conversamos longamente e pessoalmente depois disso, eu e Gil. Na ocasião ele me apresentou o Caetano. Um ano depois do meu pai fazer 50 anos. A tentativa virou o "presente" do meu pai. O presente ausente. 

Faltam 25 dias para eu também ganhar uma ausência no dia do meu aniversário de 50 anos. Há trastes que merecem ser tocados. Outros, esquecidos para sempre. O que me ressoa é que Tabajara Belo e Swami Jr. conseguem fazer de um assassinato muito lento e doloroso, um motivo de enlevo e graça.  

Acho que mais do que o navegar, o preciso é ser grato.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Indico "A alma imoral" e "Ter ou não ter, eis a questão!"

Para Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque

Rascunho