Oponente


Sou um difícil oponente. Cruel, sem medida. Luto comigo mesmo e perco ganho, intempéries. Aos nove anos comecei a fazer Karate, sem saber que de mãos vazias é possível dominar o mundo. O cumprimento, a saudação, o grito de guerra, o pedido de desculpas, o agradecimento, tudo se resume ao "OSS". Há quem diga que a fonética comandaria a grafia em português, que deveria ser escrito assim: "OSU". Eu, "Berunarudo", me encontro sempre na linha do dojo, no limite do tatame, sentado em seiza, em estado de contemplação. A guerra comigo mesmo já é sinal de derrota. Do outro lado, eu, também sentado, fito-me, em silêncio interno. Meu coração já não bate sincopado com meu outro eu.
Fico-me.
Quando caminhei comigo, pedi perdão tantas vezes, chorei, arguí, respondi, calei. Parti pra briga, me machucamos. As cicatrizes talvez tenham sido mais profundas do que eu pensávamos. Meu eu dicotômico não é dicotômico.
Eule não sou mau.
Eleu não sou bom.
Sou, só, e ponto. Na linha contínua da vida, o ponto é deveras insignificante. Tento, a todo custo, me fazer significado apenas para ela, para minha filha, para que sinta por mim o orgulho que nunca senti. Talvez ao final da batalha silenciosa que grita ao bushi-do, quem sabe, finalmente eu sinta uma pontada do orgulho que só está nos sonhos que sonhei um dia.
Ganesha, quem eu encontrei em sonho quando ia ser atropelado por uma manada de elefantes, me recolheu pelo dorso e me colocou em suas costas. Com sua tromba, me entregou uma espada preta que luzia. Adornado, fitei seus olhos, e me vi subindo em direção a eles, que subiam junto, rumo a uma constelação que não sei o nome. Lá, no alto, em meio às estrelas, fui um só, apenas.
Foi a primeira vez que senti o que é estar em meu abraço.



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