À margem da vida
É fácil reclamar da vida.
É fácil colocar a reclamação como moeda de troca. Um dia, disse ao meu psiquiatra e analista que a imagem que eu tinha era a minha, em pleno inverno rigoroso, no meio de um lago de gelo que não conhecia. Me faltava um corrimão.
Demorei 35 anos para compreender que é possível patinar e sentir a brisa: o carinho que o Vento faz na gente quando é decidido ir ao Seu encontro, quando é decisivo ir ao seu encontro.
Aprendi que quanto mais duro o gelo, mais deslizam os patins. Quanto mais duro o gelo, mais reflexo ele dá. Mais posso me ver. Quando patino, sei que estou em queda livre, como os aviões em parábolas perfeitas. Eternamente controlando a queda, pesados que são, até seu pouso majestoso e improvável. Para pousar, foi primeiro preciso acreditar.
Ouso patinar.
Reclamar é jogar a culpa pra plateia, na espera de que o julgamento não venha, inseguros que somos. Acontece que a limitação está em quem é julgado na mesma medida de quem julga. Julgar sentado na arquibancada é comodo. Da beira do lago, é possível ver as quedas e invejar o ballet de qualquer movimento. Talvez seja necessário parar um pouco, tanto no meio do lago quanto na borda, na terra, pra meditar a palavra CLAMAR.
Encontrei o verbo amar em quem chama. Encontrei o verbo amar em quem clama. Quando se ama de novo, pode-se amar melhor, mais intensamente, mais certa e assertivamente. O que é o Amor, se não um fim de tarde patinando no gelo? Paramos e é fácil o desequilíbrio. Corremos e é certa a queda, é certo o gelo frio no rosto. É triste a criança que, no rinque de patinação, fica (só) agarrada à borda. É isso. A reclamação é só a margem da vida.
No vídeo, Daniel Gonçalves dá aulas práticas de patinação no gelo. É uma das nossas tantas Yulias Lipnitskayas. Sou grato, Daniel, pelo exemplo. Seu nome já diz, não teme a cova do tombo nem mesmo o leão do medo. Clamemos.
Comentários
Sou grata. <3