Metonímia




Rubem Alves é um pai. Tipo. Ou um avô.

Adoro ler seus livros. Adoro seu jeito de falar sempre a mesma coisa, de maneira diferente. Um Alfredo Volpi das palavras. Suas palavras são bandeirinhas coloridas na minha mente. Não, não mente. Fala a verdade. Flamulam. Um Amílcar de Castro que me desgeometriza geometrizando. Se é que isso é possível.

Já li uns 6 livros dele. Gostava de citá-lo em sala de aula. Meus alunos se lembram disso (espero). Ganhei de presente de um sonho de amiga um livro dele de aniversário. Aliás, ganhei 2. Já li os dois. Acho que são 8, agora, os livros que li dele. Hoje cedo, me lembrei dele no café da manhã. Diz o Rubem Alves que o peso de papel da escrivaninha dele faz lembrar seu pai. Era o peso de papel do pai dele, claro. Como diz ele, não podia ser metáfora, que o peso não se parece com o pai. É metonímia.

Me lembrei dessa passagem do seu livro "Ostra feliz não faz pérola" quando peguei duas fatias de queijo minas e coloquei mel.

Dos 11 aos 14 anos, por aí, meu pai trabalhava na ACESITA. O escritório era em Belo Horizonte,  mas ele ia com muita regularidade a Timóteo, no Vale do Aço. Lá, em Acesita, como a gente chamava, tinha um hotel só de funcionários. Nele, um café da manhã. Eu ia dizer "um café da manhã gostoso, farto, bacana", mas acho que nem era. Só que o julgamento da gente é quase sempre balizado pelo humor. Não devia ter nada demais naquele café. Devia ser um lugar simples, com um café simples, com uma mesa sem muita variedade. Mas na minha cabeça era especial. Antes de viajar com meu pai, eu já me lembrava do queijo minas que eles serviam em fatias grandes e que a gente colocava KARO - nem mel era - toda vez que tomávamos café lá naquele hotel. E ia pra Acesita com expectativa do café, do queijo e do KARO. O queijo era realmente gostoso. Tanto que descobrimos o fornecedor e parávamos na estrada pra comprar o queijo, antes de voltar pra casa. Mas o que era caro pra mim, o que realmente tinha valor, era viajar com meu pai. Sozinho. E receber um pouco da sua atenção. E eu não imaginava que o queijo com KARO era só uma metonímia do Encontro.

Toda vez que me sinto só em Uberlândia, como queijo minas com mel. Fico pensando quantas formas de nos aproximar verdadeiramente de quem amamos temos, fico pensando no quanto somos privilegiados por poder estabelecer pontes que nos são verdadeiramente caras, mel da nossa existência, proteína das relações.

Cuido do Bonsai da minha filha, de um ano e sete meses (amanhã) quem não vejo desde maio. Entro no quartinho dela todo dia. Ando de escada rolante e quando coloco a mão no corrimão, me encontro com minha irmã (caso nosso...). Durmo com a colcha de tricot colorida e me encontro com minha madrinha. Vejo as cores do mundo e me encontro com a minha mãe.

Assim eu sento no box, escovo os dentes, ponho um segundo travesseiro no meu peito, cozinho, danço, faço supermercado, leio, ouço música, caminho... assim eu vivo. Dando rasteiras no sofrimento. Sou mais esperto que ele.

Como Rubem, Volpi, Amílcar, decidi amar sempre, e de maneiras diferentes.




P.S.: Às vezes, me pergunto quais pontes minha filha vai encontrar pra me levar até ela.


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