Sobre idas, vindas e o silêncio água de Deus
Na ida conversamos quase que todo o tempo em francês. Minha prima tem um francês intermediário como o meu, apesar do meu estar mais destreinado. Tenho cuidado disso. Na volta, continuamos os assuntos da ida, com mais pausas dramáticas, silêncios confortantes e desconfortantes, revelações e confissões simples de quem tem intimidade pra isso e sabe do desejo do Bem. Sobre um assunto que durou muito, já na volta:
– Sabe uma coisa que não me acostumei ainda?... é que pra mim, tudo bem ir ao Sushinaka sozinho, ir a um boteco sozinho, ao cinema sozinho (aliás, até prefiro, dependendo do tipo do filme)... mas uma coisa me incomoda muito muito mesmo. É justamente isso... é chegar de uma viagem. A minha maior depressão é quando chego de qualquer lugar (principalmente de uma viagem mais longa) e tenho, instintivamente o reflexo de pegar o celular pra ligar, avisando que cheguei...
...
É aí que me dá o maior vazio, é aí que o real se apresenta mais cru, mais real, mais oco, mais menos:
pra quem? Pra quem mesmo eu devo ligar? Eu até sei pra quem quero, mas pra quem devo? Pra quem vou? Quem espera a minha ligação?
Silêncio no carro.
Este, nem confortante, nem desconfortante, apenas claro, límpido, verdadeiro, transparente.
Um silêncio água.
Toca o celular. Atendo e é Alessandra, esposa do meu primo:
–Ei Lê! Que saudade! Vocês voltaram de viagem? Aqui, deixa eu te ligar assim que chegar! Estou na estrada, pode ser?
Desligo. E minha prima:
–Hoje você tem pra quem ligar.
Outro silêncio água.
Engraçado como Deus liga pra gente até pelo celular, né?
Comentários