30 EMPADAS




Acordou com um desejo incrível de comer empadas.
Viu o sol, decidiu aceitar seu brilho. Mesmo pela sombra, caminhou até a praia, onde o mar a aguardava.
Inspirou. E começou a observar a vida: a menina gostosa que passava de patins e rabo de cavalo, o desdentado sorridente que varria a areia do calçadão, o casal americano de meia até a canela e tensão nos ombros, a menininha que queimava o pé na areia, o vendedor de mate, o grupinho de amigas excitadas, o solteiro, simples e solzinho que passava, o solteiro simples e sozinho que não passava, o vigia, o seu guarda, o au-au. No posto de sempre, no barulho de sempre, entre as bicicletas de sempre, perto das aposentadas de sempre, decidiu não sair dali até que o dia acabasse. E que o tempo a fizesse companhia, enquanto ardia o mormaço das horas e o menino fosse e voltasse vinte vezes na borda das ondas.
De vez em quando, abria a vasilha velha de sorvete e tirava uma empada. Todas douradas. Todas de frango. Todas com recheio molhado, com bem pouca azeitona pra não roubar o sabor, feitas com massa podre que esfarinhava na boca e caía um pouquinho nos seios e era preciso bater, pra não agarrar em cima do sutiã de redinha vermelho ou da tanga do biquini.
Preciso emagrecer, pensou ela. E pedir uma água de coco pra não entalar.
Enquanto o mar fazia carinho na praia, pensava no horizonte. Na linha reta, fina, reta, fina, longe, reta, fina. E em quanta empada ainda há pra se comer no mundo...




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