O tudo e o nada de Carlos
Carlos elogia os filhos para se sentir bem.
Só Carlos pode ter filhos tão bonitos, tão talentosos, tão inteligentes, tão astutos, tão desbravadores.
Afinal, eles são filhos de Carlos.
Carlos nunca elogia seus filhos. Para eles mesmos, é claro: ele os elogia para outras pessoas. É, os outros têm que saber que Carlos tem filhos como aqueles.
Nas reuniões de seus filhos, Carlos quer mostrar suas fotos. As fotos dele, de Carlos. Não, as fotos dos seus filhos não podem ser tão interessantes como as fotos de Carlos. As coisas todas de Carlos, sim, devem ser mostradas nos eventos de outras pessoas, para que ninguém se esqueça do tanto que Carlos é interessante. Você sabe, ninguém pode ser mais interessante que Carlos. Sim, suas blusas, suas calças, seus sapatos. Seus chapéus. A música que Carlos ouve, a música que Carlos toca. Tudo é mais digno de atenção. Porque tudo é de Carlos. Aliás, Carlos é tudo.
Acontece que Carlos não precisa de ninguém.
Como ele é tudo, tem tudo, sabe tudo, faz tudo, o nada - que são os outros e as coisas dos outros - perdem seu valor, perdem seu sentido, perdem-se por nunca poderem ser achados. Perdem-se por nunca poderem ser vistos.
O nada dos outros é nada. Por isso, nada não importa. Nada é desinteressante. Não se importe com o nada, não. Carlos não se importa.
Por isso, Carlos é tudo mas é só.
Tudo sem nada começa a ser vazio. Começa a ser sem sentido, começa a se transformar em nada.
Talvez um dia, quando Carlos for nada, tiver nada, ver nada, aí sim, tudo se mostre à sua frente e ele possa ver o tudo que são os outros. O tudo que os outros são.
Comentários
Se Rosa são pétalas,
Nonada uni-verso.
Tudinada.
Genese, pros antigos,
Plasticidade do cerebro, pros modernosos.
Entre eles, peregrinamos.
Peregrinemos, pois, amiga de ouro... Bê ijos e grato por vir.