O rosto da saudade



Depois de trinta anos, olho finalmente para esta foto.

Fragmento do sempre, átimo da existência, encontro da sutileza e da porrada da vida: outro dia eu tinha 10 anos. Mal inspirei, se passaram três décadas. Mal expirei, perdi o contato com a infância e a ingenuidade que tanto quis engaiolar...

Olhando, vejo a primeira paixão, vejo a primeira ilusão. Vejo quem me virou o rosto sorrindo pra mim. Me apaixono por quem nem sequer sabe o meu nome. Há corações partidos e abertos, há pedidos de desculpas, há gargalhadas que esperaram pra sair e lágrimas que tardaram a secar. Há encontros e desencontros. Há muito mais encontros que desencontros.

Vejo as mãos, abertas, vejo as mãos dadas de que nos falou Drummond. Vejo o brilho nos olhos dos que venceram, a esperança nos olhos dos que acreditam, rostos que tombam sinal de carinho, a alegria boquiaberta. Fito os mais inteligentes, os ditos incompreendidos, os mitos da minha geração.

Sinto que nada foi em vão.

Correspondi menos sonhos que quis, não fui dormir com ninguém da foto, não amanheci com ninguém daí de cima, sequer telefonei para grande parte dos que marcaram minha vida para sempre e estão aí de novo, olhando pra mim. A vida é feita de grandes silêncios inexplicáveis. De grandes sonhos intermináveis. De despedidas sem nenhum motivo.

Queria abraçá-los agora, dizer o que cada um representou pra mim. Queria voltar no tempo pra dizer no exato momento da história em que cada um me marcou, o motivo, a causa, o quanto. Pecinhas de lego coloridas no tabuleiro verde da vida.

Olho novamente a foto. E reparo que estamos todos dando tchau para o passado, abanando as mãos para nós mesmos, para as crianças que fomos. Estamos dando adeus para os desejos que tivemos, nos despedindo dos sonhos, tantos, tantos. De algum modo paradoxal, abanamos as mãos cumprimentando o futuro que chega, o eu que enfim reconhecemos: o que perdoou, sonhou, amou, conquistou, perdeu, ganhou e que pode agora voltar aos colegas de infância de um modo diferente. Somos diferentemente iguais.

Somos maravilhosamente únicos.

E, por isso mesmo, cada um é absolutamente indispensável no bonito Caminho que escolhi percorrer daqui pra frente.





Comentários

Santuza Bicalho disse…
Demais Bê! Obrigada pelo lindo texto!! Bjo enorme, Tutty
Unknown disse…
Muito bacana, Bernardo.
Obrigado.

Postagens mais visitadas deste blog

Para Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque

Indico "A alma imoral" e "Ter ou não ter, eis a questão!"

Rascunho