Na pracinha, o sol.


Ontem vi o Marcio com o nenenzinho no colo.
Hoje eu vi o Marcio com o nenenzinho no colo.
Seus cabelos estão mais grisalhos, seu bigode mais branco. 
É o Marcio, era ele com um nenenzinho no colo.
Ele pegou o neném, como quem pega o nenenzinho no colo, e fez aviãozinho com ele.
Era ele, ele com um nenenzinho no colo. Tá magro, a idade lhe pesa no tanto certo.
Nem muito, nem pouco, pra quem pega uma criança pra brincar de ser avô.
Sua filha é mãe. Morena, pele jambo, nem o fato de ter engordado um pouco a faz menos bonita, menos olhos grandes, menos olhos negros e reluzentes.
Seu cabelo, desgrenhado-ser-mãe, tá bonito, cacheado, meio curto, meio longo, e acompanha o movimento do Marcio com o nenenzinho no colo.
A narina direita do lindo neném tá com uma casquinha de dodói.
É que ele já tá descobrindo a vida, a vida dá dodói pra gente. A vida dá dodói na gente.
Ainda bem que ela dá Marcio, pra pegar a gente no colo, independente do dodói, da vida, da escova de cabelo, da idade, do ontem, do hoje.
Olhei Marcio no fundo dos seus olhos, segurei seu braço e lhe perguntei:
 - Tudo bem com você?
Ele não desviou os olhos, por mais profundo que eu olhasse. Ele se lembrou da nossa amizade ontem quando olhava Marcio nos olhos.
Claro, ele respondeu. Mas eu já sabia a resposta.
Ele estava lá, ali, com um nenenzinho no colo.



Foto de um passarinho neném por Thiago Barros, especialista em fotos de pássaros e orquídeas.

Comentários

Anônimo disse…
Emocionante seu texto menino!
Boa semana.
Patrícia disse…
E como a vida deixa dodói na gente!
Gostei do texto e da visita, bjs!

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