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Sobre idas, vindas e o silêncio água de Deus

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Na ida conversamos quase que todo o tempo em francês. Minha prima tem um francês intermediário como o meu, apesar do meu estar mais destreinado. Tenho cuidado disso. Na volta, continuamos os assuntos da ida, com mais pausas dramáticas, silêncios confortantes e desconfortantes, revelações e confissões simples de quem tem intimidade pra isso e sabe do desejo do Bem. Sobre um assunto que durou muito, já na volta: – Sabe uma coisa que não me acostumei ainda?... é que pra mim, tudo bem ir ao Sushinaka sozinho, ir a um boteco sozinho, ao cinema sozinho (aliás, até prefiro, dependendo do tipo do filme)... mas uma coisa me incomoda muito muito mesmo. É justamente isso... é chegar de uma viagem. A minha maior depressão é quando chego de qualquer lugar (principalmente de uma viagem mais longa) e tenho, instintivamente o reflexo de pegar o celular pra ligar, avisando que cheguei... ... É aí que me dá o maior vazio, é aí que o real se apresenta mais cru, mais real, mais oco, mais menos:

um pouco da nossa páscoa

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Beatriz, como papai não pode passar a páscoa com você ainda, vou pra fazenda da Tia Cenira, passar com o afilhado do papai. Sua mãe já recebeu a caixa que enviamos, com o cartão acima, e todos os presentes da nossa família. Tudo que tenho pra lhe dizer nessa páscoa está no cartão que sua mãe leu pra você, e que está na foto acima. Sua Tia Guigui lhe deu de presente um carrinho lindo, amarelo, o que mandei a foto pra sua mãe lhe mostrar. Coloquei ele no seu quarto, está uma coisa! Dá vontade de ver você em cima, brincando e curtindo. Estou levando 3 livros pra ler e um caderninho pra escrever umas coisas, que as coisas vão comigo, não deixo pra trás. Tudo vai comigo por onde ando, minha filha. Tudo me acompanha. Espero que a páscoa faça sentido, pra mim, pros outros, pra quem interessa, pra quem deveria saber o que significa páscoa. Fique bem e em paz e saiba que por onde for, levo nosso amor. Que você tenha muitas histórias lindas pra contar, mesmo em sonho, nessa páscoa que Deus n

As cartas não mentem

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Fui numa cartomante. Ela me disse pra esquecer você. Disse que tudo vai dar certo, que o amor é deserto, que o bem é o bom da gente. A gente sente. Sente na soleira da porta, sente na cama vazia, sente na mesa sem companhia. Sente e espere o tempo mandar. O tempo tem pó. Voltei a sentir asma, voltei a saber dos meus pulmões, a cartomante não vende balão de oxigênio. Ô eu que suspiro. Quando falta ar, é melhor se sentar. Corre o vazio de existir pra fazer sentido e vira vento com seu movimento. Somos só músculos, ossos, troços em fricção. A cartomante não tem a cura não. Cartas que adivinho, sopros da mente, inspiro e piro, que suspiro é só da gente. Meu coração é baralho, me embaralho esperando você cortar. Aprendi a fazer mágica com as cartas do coração. Em todas, sua foto pra quando você escolher tirar. Quando tiro uma carta do peito, o jogo banguelo grita, a criança chora, o velho agita, e a brincadeira acaba para todo o sempre. No baralho da cartomante,

Quadros

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Fiz molduras para várias fotos. Fiz molduras para quadros. Gastei um monte de dinheiro pra fazer as molduras.  Misturas. Quadros que penduro na parede da mente. São fotos, quadros, momentos, lembranças. São ritos da passagem, das marcas emolduradas do ser. Eu tinha pessoas penduradas na geladeira. Mas fui obrigado a jogá-las no rio do esquecimento.  Foram-se fotos, bilhetes, anotações, lembranças. Foram-se as danças. Talvez eu não chegue mais a dançar novamente. Talvez eu só dance na moldura do esquecimento. O rancor é o cimento da lembrança. O meu desejo é que dança. Antes da primeira foto, antes do primeiro passo, antes de qualquer coisa, a escolha da moldura. Onde vamos emoldurar nossos corações? Em qual moldura vou colocar o meu último amor? Em qual moldura se coloca uma dor? Às vezes penso que as pessoas passam mais tempo escolhendo as molduras que  fazendo suas fotos, que pintando seus quadros, que vivendo algo a ser marcado pelo tempo do olhar. Quero

O Quartinho de Criança

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Amor de pai, falta marcar na parede que você já está com 80 cm, com um ano e um mês. Falta ficar em pé na marquinha pra me ajudar a marcar, que você já sabe como ficar em pé. Seus pés paralelos equilibram seu corpinho, seus bracinhos paralelos equilibram as coisas todas, sua risada equilibra seu pai. Ri que eu não caio, minha filha. Falta pegar os dadinhos e ver os números, ver os personagens da parede, pintados nele, falta esparramar os lápis da canequinha do Pernalonga no chão pro papai catar. Falta você sentir o peso do seu cofrinho de porquinho, que papai ainda não levou na Caixa pra abrir sua poupança de moedas. Nesse um ano, coloquei religiosamente todas as moedas de troco lá dentro e ele está gordinho como você, filha. Falta ver como a bonequinha da Tia Brenda Ligia dança alegre e venta sua cabeleira doidinha, igual a titia. Falta a gente fazer uma oração olhando pro oratório que aninha o espírito santo, minha filha. Tia Guigui pintou, papai colocou o espírito santo e pendu

O Ninho da Coruja

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Tem um ninho de Coruja no meu coração.  Da Grande nasceu uma Corujinha que acabou de acordar e alçou seu voo do mais alto despenhadeiro. De Corujinha, virou Coruja. E sua mãe, de Coruja virou Corujona. Eu, lagarto, não sei voar. Ousei querer acompanhar a troca de penas, a muda, o novo viço, o pio, o grito, enquanto suas pupilas se contraiam pela luminosidade do sol, que veio pra esquentar as asas. Quando voou, sua mãe leu pra mim o texto que achou no ninho, e me pediu pra cravar aqui, na minha montanha de sonhos, como homenagem da mãe à jovem e bela Coruja em curva perfeita no céu: " Tudo o que eu quero nessa vida é ser. Quero muito ser. Ser sempre. Eu gosto muito. Eu gosto muito de tudo, de todos. Me perco! Vivo nu m fluxo gigante de idéias que carregam meus pensamentos e os levam para uma dimensão que nem eu mesma entendo. Da maciez de todos os atos, da pele vem a música, a poesia que completam um todo, um meio e o redor. Tudo o que eu quero nessa vida é ser

A receita do inferno

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Terceira série do primário, aula de religião, e um aluno comenta, após a explanação do professor:  - Ah, professor, mas toda vez que eu deito na cama à noite e começo a rezar, eu durmo. E o professor:  - Ótimo, quer dizer que você dormiu em oração! *** Em outra aula, indagado pelo o quê era o inferno:  - Acho que a melhor maneira de se entender o inferno é pensar em uma mesa posta. Sabe, daquelas mesas de natal mais lindas do mundo? Pois então! Com peru suculento, um delicioso pernil, um arroz de forno, o melhor vinho tinto servido nas taças, uma farofa de frutas bem rica, uma bela e sortida salada, todas as castanhas, uma tábua de frios como nunca foi vista, um grande filé com um molho de cogumelos, os pratos todos já servidos, o melhor linho, os melhores cristais, os talheres de prata e você ali, sentado, com muita fome. Acontece que, inexplicavelmente, já que suas mãos não estão atadas, você não consegue apanhar nenhum alimento, não consegue pegar sua taça, não consegue