Queda livre
Ainda machucado, levanta-se ao cair da janela. Limpa o pó, bate a terra, tosse. Inspira. Está vivo. Foi por pouco dessa vez. Muito pouco. Pensou em pular da ponte, mas já estava em queda livre, caindo da janela. Esfola as mãos, o peito, a boca, a bochecha e abaixo do pescoço, onde costumava haver carinho. Inspira. Inspira de novo. Abre os olhos. E não acredita no que vê: está no Caminho de Santiago, sua roupa agora é outra, seu peso agora é outro, sua força, sua bênção. Sabe que suas chagas serão curadas pelos primeiros peregrinos que passarem. Com cuidado, com zelo, com cuidado. Reflete amor. E acredita. E sabe. O perdão passa por ali, oferecendo ajuda. Aceita. E a dor vai embora no lombo vasto e tranquilo do perdão. Começa a ouvir: e descobre atônito que é vida, pura e simples e sente saudades das coisas boas. Tudo levou até ali. Levou tudo até ali. Lavou tudo até ali e sorri. E decide Caminhar, para ver conjugado o verbo amar.