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Para não ser lido.

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Às vezes, penso que não escrevo mais porque finalmente tenho algo a dizer. Tenho colecionado silêncios. Estou, somando, no quinto ano de piano. Minha filha, no quinto ano de escola (ela começou no berçário aos oito meses. E tem cinco anos e oito meses. Noto que nosso processo de alfabetização começa agora. Ano que vem, acredito, é quando ela vai começar a ser alfabetizada. Por curiosidade e disposição pessoais, ela tem começado a juntar letras, se apoiando em vogais e em algumas consoantes, como a letra B, de Beatriz, M de Marcelo, V de Vicente e R de Raquel. Muletas semânticas. Eu tenho me apoiado no dó do meio do piano, pelo desenho característico na partitura, no mi, pela posição fácil de ver, no dó da oitava de cima, pelo posicionamento fácil de identificar na clave de sol, pelo fá da clave de fá, pelo sol da clave de sol. Muletas românticas. Ainda não leio palavrinhas sem pensar nas letrinhas. As palavras da música ainda não saltam na minha frente, como um dia saltaram

Onde está o Uber da segurança pública?

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Ontem, caminhando na rua de cima da minha casa, me deparei com uma mulher assustada que vinha em minha direção: – Moço, moço, não vai pra lá não, que um rapaz acabou de ameaçar uma mulher ali daquele prédio com uma faca enorme! Na mesma hora liguei pra polícia militar. O que se seguiu foi uma conversa pautada num protocolo que se explica, mas não se justifica. Apenas um exemplo:  – O senhor pode me dizer aonde foi? – Claro, eu estou na rua Rafael Magalhães em frente ao número 71, no bairro Santo Antônio. – O senhor pode me dar uma referência? Pensei comigo: A senhora já ouviu falar em google maps? E disse que não podia, porque não tinha nem um comércio que fosse referência ali. Ok, imagino que uma quantidade enorme dessas chamadas sejam originadas em vilas, "favelas", regiões de periferia que sequer tem um nome de rua e um número confiável... Mas o protocolo que explica a atitude da atendente que gritou comigo - sim, gritou; podemos pedir a gra

São Tomé

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Sonhei que comprei uma casa nova no caminho, ao lado de um Córrego. Quando chovia na cabeceira, o Córrego entrava e inundava todo o primeiro andar. Tudo o que guardei em minha lembrança ficava então debaixo d'água. E eu podia ser feliz novamente. Tentei tirar caixas de violino da água, botá-las pra secar. Violões, um piano, a barra de uma túnica muito minha, sagrada e branca, que estava em um cabide. Mas a água cristalina vinha e banhava o chão da sala da minha casa deixando tudo cristalino e limpo e lindo e líquido. Pedra. São Tomé. E, de repente, você voltou. E pude finalmente lhe mostrar o primeiro andar submerso onde eu entulhava as coisas todas. Terceira margem. Eu quis desviar o curso do córrego, você não deixou, e Ele, água, começou a banhar nossas vidas. Foi a partir desse dia que começamos a viver sempre descalços, só no segundo andar, com a água fresquinha envolvendo os pés que já caminharam tanto.

O Natal e a Verdade (para a mãe de minha filha)

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Há pouco tempo, um amigo me disse:  – Sabe? Quando ouvimos um lado só de uma história, sabemos muito pouco sobre ela... E pouco depois me deparei com essa imagem: Desde então, tenho meditado muito sobre isso. Meditei durante os meus três meses de peregrinação, inclusive. Quando escrevi um texto sobre o natal desse ano de 2015, que aqui coloco o link, eu não poderia supor que... SIM : o Menino Jesus estava me preparando uma surpresa. O Natal desse ano transcendeu a espera, o sonho, o meu conceito de alegria. A primeira foto desta página retrata um fragmento disso tudo, que ocorreu hoje, na hora do almoço, quando minha filha e sua mãe almoçavam na casa dos meus pais, em Belo Horizonte. Depois de uma espera de 4 anos, neste natal pude pegá-la sem ser cerceado, com a confiança devida, com o respeito que todo pai e toda mãe merecem. Minha filha vai ficar até o final de janeiro em Belo Horizonte e, finalmente, tenho a oportunidade de sair com ela como o pai que sou...

Questões de Linguagem e Tradução

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As minhas aulas no mestrado acabaram. Posso voltar para a casa da minha filha, onde moro, em Belo Horizonte. Daqui, da ilha interna de Florianópolis, paro e penso. E elejo a primeira coisa que devo agradecer em minha passagem por aqui: o encontro com Yeo N’Gana. Costamarfinense, magro, estilo corredor, das cambetas finas e compridas, voz grossa, sorriso maior que o rosto, maçãs do rosto bem salientes, olhos profundos, negro azul-marinho, Yeo é um irmão que ganhei depois de 42 anos de vida. Moral, ética e inteligência de fazer inveja, Yeo é uma vara de bambu. Resiliente. Forte. Firme e absolutamente natural. Seu silêncio grita: – “Quando você fala baixinho, nos ouvidos, a pessoa escuta com a alma.”, me disse um dia. Aprendi muito aqui nesses 4 meses intensos de quase prisão domiciliar. Mas aprendi mais mesmo tentando Traduzir o meu novo irmão Yeo. Pra começar, foneticamente, seu nome é um Koan Zen Budista. Quando o chamo, pergunto por mim: “E eu?” A letra “e” é fec

Só para quem tem vergonha

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Durante 5 anos dei aulas na Faculdade Estácio de Sá. Um período muito interessante, de muita aprendizagem. Onde fiz amigos, onde intensifiquei muitas amizades. Onde ganhei a admiração de alguns alunos e ganhei o ódio de alguns outros. Imagino que minha passagem por lá tenha tido saldo positivo, pelos feedbacks que tive ao longo do tempo. Certa vez, me vi com um dilema: um dos meus alunos mais simpáticos, de quem me lembro bem o nome, me entregou um trabalho final que a gente chamava de "ctl+c ctl+v". Chupado da internet. O trabalho inteiro era encontrado na universidade fluminense. À época, eu dava aulas de redação publicitária para mídia eletrônica, e produção em rádio e tv. Quem lida com textos todo dia, escritor por paixão, leitor razoável, sabe muito bem o que representa um estilo. Com um ou dois trabalhos se tinha a noção exata de quem sabia escrever, quem tinha bom domínio da articulação, quem possuía alguma técnica clara, quem tinha dificuldades, quem ti

Quero Amanhecer Mijado

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Eu era ainda um garoto de pouco mais de 17 anos. Talvez 20. Isso foi há uns 22 anos, portanto. Participei, não me pergunte exatamente porquê, de uma reunião de uma associação de músicos mineiros que se encontravam para lutar pelos direitos autorais. Eles continuam se encontrando, essa é uma questão sem fim, quanto mais em tempos de internet, DJ’s, mp3, e de uma época pós Napster.  Determinada hora, um deles, bem mais velho do que eu, fez um comentário sobre um associado "audaz" - pra homenagear o Grande Fernando Brant, que também fazia parte da associação e depois veio a presidir uma outra de muito maior envergadura e soluções pros músicos - que me deixou muito incomodado:  – Tá vendo? Mexer com menino dá nisso, a gente amanhece mijado.  Fiquei incomodado por três motivos básicos:  Primeiro é que a ação do associado audaz tinha sido unicamente audaz. Apenas uma ação feita sem consultar o reclamante, com o objetivo de dar solução a uma questão qualquer,