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É Natal, filha.

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É muito difícil quando chega o natal.  O natal sempre foi uma época difícil em minha vida. Como meu pai foi o décimo quinto filho de uma família pobre de Teófilo Otoni, seus natais foram marcados pelas diferenças dos sobrinhos que tinham condições e meu pai que não tinha. Na família da minha avó, aquela história de comprar um sapato pra dois filhos e um ir com um chinelo e uma atadura no pé esquerdo e o outro ir com o chinelo e a atadura no pé direito pra aula foi verdade.  Meu pai foi marcado pelo palpite de vários e vários irmãos acima dele, cunhados e cunhadas que tinham idade pra serem seus tios e pais que já tinham idade para ser seus avós. Isso fez com que ele escolhesse o caminho da individualidade. Para virar o adulto (maravilhoso) que é. Acontece que o natal não tem a ver com individualidade. Não tem a ver com a escolha da partida. Tem a ver com a escolha da partilha.  E um dia, ele chega, podemos escolher: vamos ter natais marcados por nossas dores, ou nat

Vale tudo

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Estou destituído. Estou detonado. Estou possuído, arrasado, subvertido, arruinado, falido, afundado. Enlameado. Não quero mais o mármore branco com veios champagne, não quero mais a cozinha gourmet associada a la joie de vivre, o vinho caro e o untuoso opulento foie gras. Nem tinto vinho. Vem. Preciso me lavar primeiro. Estou sujo de barro. Como vou poder entrar em casa e limpar meus pés no tapete persa? Como vou me deitar na cama de roupa de cama de linho egípcio 3.000 fios comprada na Trusseau? Como vou abrir os armários para pegar as vasilhas Le Creuset para fazer o almoço? Eu pingo lama. Nas minhas veias correm um barro sujo imundo, de minério, sangue ferroso que um dia me orgulhou. São minas, mas não são gerais. É pra poucos. É para o governante que não se compadece, e tem dozinha de empresa que nem imaginava que isso podia acontecer... É para o que não teve seu filho desaparecido, não teve seu pai afundado, atolado, esmagado, espremido, afogado, sem

Sóis

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Vivo na ausência. Escuto mais do que falo, calo porque silencio, calo porque silêncio. É que dói. Pressência. Vive no sentimento. vive nu sem ti: minta. Mate. Arde. Devore. Devo. Ore. Faça o que fizer, anuncie. Anule o que anelar. Sois o segredo do analema. Dilema: Moro no silêncio escondido em cada palavra. Nas ditas, não ditas, malditas.

Sapoti

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O sapoti é uma fruta difícil de definir. Carnuda, do tamanho de uma laranja pequena, tem uma coloração, cor e sabor muito característicos. Minha amiga da França me perguntou como é. Eu pelejei pra definir e fiquei dias pensando com o que se parecia, para que ela tivesse uma ideia aproximada do que é um sapoti. Curioso. Fazendo mestrado em Tradução, isso faz todo o sentido pra mim. Não há como traduzir o sapoti. Como bem disse Rubem Alves a respeito de um poema, “o poema é como uma árvore. A gente não explica uma árvore. A gente se deita à sua sombra”. Pois bem. A gente não explica o sapoti. A gente parte ele no meio e come. E, se for esperto, planta as quatro sementes. Foi isso que eu fiz com o primeiro sapoti que minha filha me deu, do quintal dela, onde ela mora, em Recife. Marrom por fora, marrom por dentro. Por dentro, um pouco mais claro. Por fora, mais próximo à cor de terra, mas não terra negra, nem terra vermelha. Terra marrom. O sapoti tem como casca, um couro. Parece um cou

O Templo do Outro

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Vou montar uma igreja. Seu nome vai ser Templo do Outro. Primeiro vou comprar um lote, construir um anfiteatro de cimento, octogonal, com oito níveis de degraus, com oito pilares em cada um dos seus vértices, coberto de piaçava. Este lote não vai ter muros. Este anfiteatro não vai ter paredes. Entra-se por qualquer um dos oito lados, sai-se da mesma forma, por qualquer um deles. No centro, no nível mais baixo, um altar. Que não terá esse nome porque, conforme a etimologia da palavra, não vai ficar no lugar mais alto. Vai ser no mais baixo, símbolo da humildade humana. Podemos chamá-lo, portanto, de Coração. Na entrada (ou saída) norte, vamos escrever e inscrever, ainda com o cimento molhado, a letra Z significando Zehut, Retidão. Nosso norte vai ser a Retidão. No oeste, onde o sol se põe, colocaremos a letra M, significando Mehilá, o Perdão. Em seu lado oposto, no leste, onde o sol levanta, colocaremos a letra B, significando Beraca, ou seja, Bênção. E ao sul, colocaremos a letra H,

O Amor depois dos 35.

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O cursor pula na tela. Como escrever? O que dizer sobre o Amor escolha? És. Colha. Já usei muito essa poesia semântica. Aliás, quando eu morrer, talvez façam uma notinha de jornal com esta epígrafe: “morre um dos criadores da poesia semântica”. Sim, quando a gente passa dos 35, começa a pensar na morte. Porque de alguma forma, você já se deu conta que “...podia ter subido mais montanhas...” ah, sei lá. Não vou ficar aqui citando poema dos outros, porque isso não leva a lugar algum. Depois dos 35 começa a pensar na morte e a vida vira um tesão. Fazer 35 não é brinquedo não. Quanto mais quando você descobre que você espirra e tá com 42. E ainda fingindo ter 35. Ou querendo ter... Com trinta e cinco você se lembra de uma cacetada de filósofo foda que com 35 já tinha resolvido a vida e inscrito seu nome no tempo do sempre. Com 35 você pensa que Jesus viveu só 33 e você já tá no lucro, e ninguém vai se lembrar de você daqui 200 anos, quanto mais daqui 2015. Daí, você me

Para quem tem prateleiras.

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Essa é mais uma tentativa de fazer alguma diferença na vida de alguém. Hoje cedo, recebi de um amigo (dos mais antigos que tenho) um comentário irônico sobre o 4 a 0 do Santos no Clube Atlético Mineiro, time que torço, time que foi presidido por meu avô, o delegado de polícia Hélio Soares de Moura, na época que o Kafunga jogava. Fiquei curioso: o Cruzeiro teria ganhado de quanto, para que meu amigo viesse me sacanear? Não, ele empatou em casa, com o lanterna do campeonato brasileiro. O que quer dizer: o prazer do meu amigo - e digo amigo porque sei que ele é - era simplesmente com a minha “desgraça”.  Podemos analisar de um modo simples, como atitude corriqueira e sem nenhum fundamento. Acontece que quando deixamos essas coisas passarem e viram coisas corriqueiras, simples, estamos fazendo a nossa parte para que se perpetue a condição que queremos mudar, acredito. Não acho que o brasileiro é filho da puta por natureza. Não acho que a malandragem tá no sangue