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Chão, onde se caminha.

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Querida Nisia. Que bom que me acompanha. Você me pergunta sobre meus passos. Onde estou, aonde vou. Eu não sei. Só estou caminhando. Como diz o outro Cavaleiro Templário, Ramiro Maia, sabiamente, "levanta e anda". Ele pegou a minha mão no Caminho de Santiago em 2009, quando fizemos juntos o Caminho Francês de Roncesvalles a Santiago. Somos dois. Mas pode ser que ainda existam outros. Meu caminho é de paz. É o Caminho de Francisco. E de São Bernardo, seu amigo que foi com ele até Santiago (sabia?). Não sei se você sabe, não tenho podido ter o contato saudável de um pai com a minha filha. É que quiseram levar a guarda dela para a justiça. Eu lhe pergunto, Nisia: que pai pode ver sua filha até dois anos de idade por apenas duas horas, a cada quinze dias, desde que dentro da casa do avô materno? Bom, eu não posso. E quero crer que todo o senso comum, sensato, julgue que não. Eis o começo do imbróglio: julgamento. Enquanto caminho, penso no advogado "que defendeu" a

Ciao, Itália.

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Passei dos 800km, Beatriz. Estou na divisa da Itália com a França, um terço, praticamente, pra não dizer a cada dia. Há dores de toda sorte. Há dores de todo azar. Já aprendi a pensar no dia, não na semana, não no mês, não na distância, não no tempo que a gente não senta no colo um do outro. Hoje, fiquei vendo um pai balançando sua filha no parquinho. Na minha fantasia, ele se chamava Marco. Na minha fantasia, ela se chamava Júlia. Marco de pai, posto, bandeira fincada que flamula a paz de um território conhecido. Júlia de julho, de meu ano novo, de dia primeiro que renova a vida pra mim todo ano. Hoje, andei 39km. Ontem, 34km. Antes de ontem, 52km. Como diz uma das pessoas mágicas que torcem por mim, citando um compositor de quem não me lembro o nome, "de tanto não parar, acabei chegando"... Sou assim. Não paro de saber que independente de qualquer coisa, dos ânimos, da bondade ou da maldade, há mar. Vasto. Ôndico. Molhágico. E meus pés, que dóem, nem são os meus pra

O que os olhos não vêem, o coração enxerga

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Prosseguir, apesar de. Lugar do encontro com o desconforto. O Entrepasso. Hoje, cheguei a Assis. Fiz encomendas adeus. Rezei aos entes, amados, rezei um terço, um quarto. Rezei que ninguém não viu, rezei pra todomundo. Benzi os meus, travei conversas todas, mesmi comigo, encantoei encantos na prece de São Francisco. Peguei uma folha de oliva pra cada um. De dentro do outro mundo de cá, se vê o outro mundo de lá. E é bênção pra toda gente. Minha filha que eu abraço seu existir. Minha filha que eu amo de não mais me entender. Minha filha que ventou dentro de mim pra que eu pudesse cá, minhar. Minho. Meu. Nosso. E a cada passo, meu caminho fica, existindo nela sentidos de bem maior que eu entôo pra toda vida amém.

até há volta

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Enquanto Beatriz dá seu primeiro passo, dou meu primeiro passo. Sociabilização: a mãe da escolha. Sim, Beatriz vai aprender a escolher. Vai aprender dizer sim e não, vai saber se impor no que é certo e errado, vai ter voz e vez. Já usa o humor como arma, é reflexiva, pensadora, mesmo com 2 anos. Beatriz dá seu primeiro passo rumo a autonomia. Dá o primeiro passo na descoberta da alteridade. Quanto tempo vai demorar? Quanto vai ter que andar? Não importa. Como diz Paul Mulders, peregrino que conheci embaixo de uma figueira no Camino de Santiago, "lembre-se: o passo mais importante, é o primeiro". Me lembro sempre, amigo Paul. Lembro das conversas que tive, dos passos que dei, do barulho das pedras maceradas por meu cajado. Lembro das horas, de me ditar enquanto andava, da vontade que tinha de aprender a ler. Sou atento aos sinais. Encontrei o perdão no Caminho de Santiago. Me perdoei. Talvez a face mais difícil do perdão: o próprio. Quero crer que Robert Frost es

Trem Dele

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Caminhamos por cerca de 5 horas. Algo chama. Queima. É o pé no asfalto, é o que falta, nada pela frente a pedir: venha! Fomos. Falta pouco agora. O balão da esperança vai subir pra sempre na crosta lunar que grita casa, grita quem é você, grita raiz! Escuto o sussurro de Beatriz. Quando no ar, voo finalmente virando vento. E caminho no rumo do coração que compassa o passo atrelado ao trem do tempo...

há call me

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Filha, liguei pra você hoje, de novo. Você atendeu, mas não quis falar comigo. Sim, você já fala. Tem dois anos, já falou "papai" algumas vezes, mas não quando lhe peço. Nem quando suplico em silêncio. Nem quando acordo cinco horas da manhã, com saudades de você, nem quando sonho, nem quando rezo, nem quando choro, nem quando ando. Nem quando paro, com desejo de nunca mais andar. Respiro. Espero. Não tenho você em meu colo desde novembro passado, quando senti o pesinho do seu corpo sentada em minha coxa direita, cabelos no pescoço, bracinhos e ombrinhos serelepes que diziam mais do que sua mãe achava que eu captava. Não lhe vi nascer. Não lhe vi dar o primeiro passo. Não lhe vi falar a primeira palavra. Não lhe vi engatinhar pela primeira vez. Nada disso. Minha única experiência inovadora com você até hoje foi: a primeira vez que experimentou açaí, você estava em meu colo. Há tanta coisa que não sei, minha filha... e que sei que você sabe. Há tanta coisa q

Dentro da cabeça, ela sabe o lugar do meu discurso

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Está chegando a hora do a Deus. Lugar do vazio, onde por um fio, espaço entre um passo e outro. Espasso. És passo. Sei de cá, tornar meu, cá minhar. Nem sempre se esperam paisagens azuis, nem sempre se encontra o dourado dos girassóis. Às vezes ele é só cabisbaixo, taciturno, meditativo, circunspecto, recolhido, moribundo. Nessas, ele é só semente. Vamos aguardar os campos. Neles há vento. Com o vento, a chuva. Vamos saber esperar. E colher, a tempo, o amanhã que virá.