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Mostrando postagens com o rótulo #filhos

O rosto da saudade

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Depois de trinta anos, olho finalmente para esta foto. Fragmento do sempre, átimo da existência, encontro da sutileza e da porrada da vida: outro dia eu tinha 10 anos. Mal inspirei, se passaram três décadas. Mal expirei, perdi o contato com a infância e a ingenuidade que tanto quis engaiolar... Olhando, vejo a primeira paixão, vejo a primeira ilusão. Vejo quem me virou o rosto sorrindo pra mim. Me apaixono por quem nem sequer sabe o meu nome. Há corações partidos e abertos, há pedidos de desculpas, há gargalhadas que esperaram pra sair e lágrimas que tardaram a secar. Há encontros e desencontros. Há muito mais encontros que desencontros. Vejo as mãos, abertas, vejo as mãos dadas de que nos falou Drummond. Vejo o brilho nos olhos dos que venceram, a esperança nos olhos dos que acreditam, rostos que tombam sinal de carinho, a alegria boquiaberta. Fito os mais inteligentes, os ditos incompreendidos, os mitos da minha geração. Sinto que nada foi em vão. Correspondi menos sonh

Estátua

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– Raio congelante! E meu coração se aquece. Eis o mistério da fé. Coitada da Elsa. Mal sabe ela que pode congelar e ao mesmo tempo aquecer o coração de quem se ama. Minha filha adquiriu essa habilidade. Zap ! E pronto. Viro estátua. O Tempo ali não resiste. Kairoz toma conta de tudo. O mundo automaticamente entra em modo Stand By . Os passarinhos param no ar, o lixeiro para no ar, a bigorna para no ar, a fonte congela na foto. Para, Tempo! Por favor, não me deixe ir embora! Faça alguma coisa! Que vontade que nunca mais ela me fizesse a cosquinha ou o Boo-libertador ... Não coloco bateria nos meus relógios. É minha forma de protesto. E Beatriz a dizer ao Tempo que nos dê uma folga, que é preciso que ele não passe, pra ficarmos ali, sempreando, juntos, sorrindo, ou melhor, risando – como ela gosta de dizer. – Papai tá risando!, admira ela. E ri entusiasmo. Quando Deus dentro, paraíso fora. Elo. Daí ela pega a estátua, não importa o lugar que esteja, e começa a moldá-la. Mãos, pernas, b

Dicionámar

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Sem letras, não encontro um jeito de encontrar palavras.  No silêncio profundo, as frases não encontram pouso.  Me destextifico em lógicas vazias de significados.  Eu significante mudo:  de casa, de corpo, de sonhos, de hábitos. Coisificar a existência é a fuga dos ignorantes obtusos ou medrosos. Enquanto isso, a socialização do estar conjuga os modos do ser. *** No vídeo, um breve lembrete pra quem acha que alguns dias por ano com um filho são o bastante. Parabéns aos amigos que participaram do vídeo. E mais ainda aos que podem compartilhá-lo.

Papai

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O sentido do mundo cabe em uma palavra, dita em voz alta. –Papai. Ela, em si, não traz o sentido do mundo. Ela o revela. São dois tapas no rosto e um ai, entregue. Faço uma reverência, para que minha filha me coroe. Pinto, bordo, pulo, imito macaco, quero a todo custo seu amor que já é meu. Quero ganhar o prêmio em morte do pai vivo mais pai do mundo. Vou fundo. Me desdobro, me multiplico, e vou morrer na praia, frente a frente com a vastidão do há mar. Deitado, braços abertos, rosto na areia, sinto o perfume inconfundível trazido com o vento. É Pai, chão. A espuma das ondas trazem o gosto do sal. É pista do tempero do amor, escondido nas profundezas, onde não se pode ir. Nada. É preciso respirar debaixo d’água. Lá, aqui, somente, quando semente e cruzar finalmente a linha fininha de mel do infinito. Sou grato, meu Deus, pela água que corre em mim.

dó-ré-mi-fada

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Dorme fada, sonha fado. Traduz, mágica varinha: fé e exaltação. Encanta em seu cantinho, entoa em seu mundinho o drama inevitável. – Perdão. É sabida do amor. Saborosa, flor. Fomos pegos!, somos cegos... Seu gosto perfume inebria e envolve. Brincante, dormita e desperta. Fadices. Olho com olhos melados de paterna idade. É o amor que escorre em minhas bochechas. É o amor que escolhe as minhas queixas. Quentumes. Vejo os vaga-lumes que chegam com a nossa noite. Revoam em volta da fada. Povoam minha morada, acendem meu lugar no mundo. Sou fundo. E de lá de dentro, grito seu nome, do escuro de mim. Ecoam sentimentos, súplicas. Bailam em espiral com os vaga-lumes encantados. Você: sonho. Você: banho. Você, sempre, eu no colo da eternidade.

Dica de Mochila

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foto: Ana Carrapicho Dia 30 de junho, segunda-feira, faz um ano, exatamente, que cheguei a Santiago de Compostela depois de minha peregrinação de mais de 2.500km a pé. É preciso me ditar sobre isso. E é o que farei nos próximos dias, até o dia 01 de julho, dia do meu aniversério. Sério mesmo. Curiosamente, pra quem não está habituado com as coisas relativas ao Caminho, recebi um convite do César Félix, editor da deliciosa Revista Sagarana para fazer um artigo sobre a minha peregrinação. E adivinhe que dia a revista fica pronta e sai para as bancas? Sim, dia 30 de junho... Eu poderia postar alguma foto aqui sobre o Caminho, dizer algo sobre minha peregrinação, sobre a minha odisséia pessoal, mas está sendo redigido no tempo certo, no tempo do passo, letra a letra, até completar os dois mil e quinhentos tantos de palavras, de parágrafos, de capítulos ou do que quer que seja... Porque o Caminho é assim. Decidi, portanto, postar essa foto, tirada neste final de semana, com meus

Para vovô Toi e vovó Lili

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Ei vovô Toi, ei vovó Lili, é Beatiz. Eu num sei falá direito. Eu tenho têis. Papai falô que eu dei uma rôpa de cama pa cama nova. Eu gosto de durmi. Eu quero durmi na cama nova do vovô Toi e da vovó Lili. Eu gosto de música. Vovô Toi também. Vovó Lili gosta de cores. Igual eu. Eu sei desenhar. Eu quero nadar na banheira do quarto da vovó com o papai. Eu quero. Filha, ontem vovó fez 69 anos. Dia 17, vovô faz 70. É uma data especial, quando gostaríamos que estivesse aqui, presente não só em nossos corações, mentes, lembranças, fotos. Quando penso no tanto que vovô e vovó esperam esse contato, o quanto beijam suas fotos, fazem carinho nelas, me dá pena de quem não entende o quanto isso é importante pra você e sua formação, para a construção de uma identidade mais rica e plural. Sabe filha, tenho muitas graças e muito a agradecer. Sobretudo por você. Mas devo agradecer primeiro a eles, seus avós, nestes dias de comemoração e saudades suas. Porque eles me trouxeram até a

Sapatinho de Cristal

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Olha. Vê. Atenta aos sinais do Tempo, que nos sussurra segredos. Somos-nos nossos, nossamente únicos.  Amarantados, amorecemos. Existe um tipo de ilha que tem mar de amor em volta: chama filha. E queima. Para ela navego perdido, querendo me desencontrar. Sou nau a deriva, nesse há mar vasto e casto. Remo com as mãos, remo com os pés, remo com os dedilhos nos teclados do mundo, em busca da música perfeita. Remo cabelos da menina, encaracolados, enborboletados, Borboleta do Mar. Há espumas que nem sei. De tanto chorar pra dentro, emareei-me. Há mar fora, há mar dentro. Hoje, calmaria, aguardo o meu amigo Vento. Disse-me outros segredos, amigo do Tempo que é:  Três amigos de mãos dadas. O Tempo, o Vento, a Mar. Porque em francês, Mar é palavra feminina, de tanta gestação: peixes, filhos, alimentos, juras, poemas.  Talvez o Vento tenha esposado a Mar. Deles, nasceu o Tempo, que brinca amigo da minha filha, cuidando dela, meu tesouro, pra um dia me entr

Haikai da espera

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todo abraço é vazio da minha filha

Para Norma e Giovana

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Estou novamente no Campo das Estrelas.  Daqui do alto, vejo as Três Marias. Vejo constelações que não sei o nome. Vejo o breu que se traduz em nada, vejo o nada que se traduz em breu. Vejo as nuvens bem abaixo do avião, que sacode um pouco voltando pra casa.  Hoje, fiquei 4 horas e quinze esperando para conversar com uma juíza. Alguém que nunca vai ter a dimensão do meu amor por minha filha. E que se julga julgadora, julgadora que é.  No prédio do Ministério da Justiça em Brasília, uma das tantas fontes que adornam a fachada é desligada. São várias, uma não funciona. É uma sábia e triste alegoria que diz da imperfeição da justiça dos homens. Há três anos me encontro nu, embaixo dessa fonte, com minha filha, esperando a água que não vem. Uma promotora de Justiça de nome muito justo, "Norma", achou finalmente estranho o fato de ter um pai e uma filha pelados em plena praça dos três poderes, e decidiu intervir.  Perguntou ela: será que passado tanto tempo,

2013

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2013 foi bom? O café queima minha boca, fst!. Deito a xícara no pratinho. Olho o vazio e vejo Tempo. Esse ano foi bom? Puxa. Foi um ano como nenhum outro, como tinha que ser. Ano de fé, de superação, de prova, de dor e de amor profundos. Em 2013, voei de balão com São Jorge e o Arcanjo Serafim na Capadócia. Encontrei o Papa Francisco no Vaticano. De lá, andei o mundo. Refiz o Caminho de São Bernardo e São Francisco peregrino até Assis, encontrei-me com Santa Clara e São Francisco na Porziuncola e me ditei Caminhos. Pedi perdão. Andei até Chiusi Della Verna, onde as chagas de Francisco brotaram dor do mundo, compaixão pelo semelhante. Aceitei os desígnios do Mistério da Fé. Ouvi. Pus-me a andar. Atravessei a Itália. Atravessei a França. Atravessei a Espanha. Atravessei a minha própria expectativa e cheguei a Santiago de Compostela. Recebi tantas cruzes e preces, que não era mais eu quem caminhava. Era uma legião de amor, de prece. Cruzada de compaixão pela dor origi

p ai

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Indaga a minha amiga, um pai, por definição: – O que é ser pai? Me diga. Eis o Caminho em questão. "Pai"   Sou um parquinho vazio. Balanço parado. Escorregador solitário. Carrossel silencioso. Gangorra estática. Brinquedo imóvel espera, silencia a alegria. As cores vivas desbotam com o tempo, o palhaço faz graça e não ouve aplauso, cadê riso, cadê sorriso, cadê olhinhos brilhando de excitação? No picadeiro do tempo, o vazio da plateia incomoda os dias quentes embaixo da lona. Quero uma bundinha assada, escorregando calcinha pintada de bichinhos e gritinhos esganiçados. Quero o abraço de bracinhos miúdos, mais forte que de um urso, donde nunca mais desprendo. Pai? Só sendo. Mistura de amor, afago de Eros, ser pai é tomar consciência do seu tamanico no mundo. O universo todo cabem em um filho. Há mar. E as ondas morrem na praia do peito, na areia quente onde meu bebê deitou aconchego. Minha filha de 2 anos mora a 2.222km de distância da minha morada. Por

pé de silêncio

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Silêncio é escola  onde se aprende a ouvir. Silêncio é mola onde se joga a fala. Silêncio é oco oca da ideia da gente. Silêncio é árvore folhas, páginas em branco. Pé do silêncio, a inspiração. Seu passo, sopro. Se eu passo, silencio. Pé de silêncio, meu livro em branco. Quando fala falo,  o estupro da orelha,  calo.

até há volta

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Enquanto Beatriz dá seu primeiro passo, dou meu primeiro passo. Sociabilização: a mãe da escolha. Sim, Beatriz vai aprender a escolher. Vai aprender dizer sim e não, vai saber se impor no que é certo e errado, vai ter voz e vez. Já usa o humor como arma, é reflexiva, pensadora, mesmo com 2 anos. Beatriz dá seu primeiro passo rumo a autonomia. Dá o primeiro passo na descoberta da alteridade. Quanto tempo vai demorar? Quanto vai ter que andar? Não importa. Como diz Paul Mulders, peregrino que conheci embaixo de uma figueira no Camino de Santiago, "lembre-se: o passo mais importante, é o primeiro". Me lembro sempre, amigo Paul. Lembro das conversas que tive, dos passos que dei, do barulho das pedras maceradas por meu cajado. Lembro das horas, de me ditar enquanto andava, da vontade que tinha de aprender a ler. Sou atento aos sinais. Encontrei o perdão no Caminho de Santiago. Me perdoei. Talvez a face mais difícil do perdão: o próprio. Quero crer que Robert Frost es