Ligações





Meu celular tocou depois de muito tempo em silêncio.

Faaaaaala, amoreco!, atendi num sorriso, brincando carinhosamente com a minha amiga, a Psicóloga, Coach e Apresentadora Érica Machado.

– Bê, preciso da sua ajuda.

– A resposta é sim. Não sei o que é, mas vindo de você... (disse a ela, na sequência.)

– Se lembra de uma amiga sua, a blogueira do Ócio do Ofício, a Laura Barreto? Você acha que ela topa se juntar com você para vocês serem madrinha e padrinho de um grupo de corredores de pessoas que estão em situação de rua?


– A Laura? Ela é doida igual a gente, bora ligar pra ela! Claro que vai topar. Mas, espera, me fala mais sobre isso... você diz... tipo "mendigo"? É isso mesmo que eu estou entendendo?!?

Foi assim. Há alguns dias, fui surpreendido com outra passagem em minha vida da tsunami conhecida como Érica Machado. Ela, por sua vez, foi pega pelo furacão que as pessoas chamam de Tio Flávio Cultural. Quando esse tipo de avalanche passa em nossa vida, tudo vira de cabeça pro alto. No meu caso, os dois volta e meia me chacoalham e me viram do avesso.

Tio Flávio, pra quem não sabe, tem cerca de 20 projetos diversos e todos beneficentes, por todo lado. O cara é uma Madre Tereza de Beagá que usa como terço as redes sociais, e como armas os amigos e sua capacidade imensa de amar o próximo.

100% de seus projetos sem fins lucrativos, nada de ONG ou doações em dinheiro, tudo em troca de abraço, sorriso, carinho, lágrima, beijo e sacolas e sacolas de esperança em um mundo melhor.


Evito falar, pra não parecer auto-promoção de um pateta, mas foi ele quem me chamou pra passar um natal contando da minha peregrinação para os detentos de APAC de Santa Luzia, ou dar o meu testemunho para os detentos da APAC de Nova Lima. No do natal, fui até com a Érica, essa moça linda que nos chamou para participar do projeto TREM DAS 7.


Sabe, tem cerca de 400 homens que dormem em um abrigo da prefeitura de BH e que, quando o dia amanhece, devem pensar: o que vou fazer hoje da minha vida?

Eu tenho vivido assim. Sou como eles. Um dia de cada vez. Mas eu, apesar da crise, tenho tido ajuda para pagar as contas que não param de chegar, mesmo sem trabalho suficiente. Às vezes, me pego com vontade de beber para esquecer as dores. Esses peregrinos das ruas, que tem dormido no abrigo da prefeitura (ou debaixo do viaduto da Francisco Sales), às vezes, se pegam não só com vontade de beber, como no caso do nosso novo amigo Rafael, quem ama ler e já foi até livreiro, mas de fazer ainda pior com seu templo individual...

Na foto, Érica, Rafael, Raimundo e Fernando, em uma palestra na Defensoria Pública sobre o Projeto Trem das Sete.


O "Projeto Trem das Sete - de passageiros a condutores da própria vida", tem um nome que já explica tudo. Quando Érica nos chamou, queria que Laura contasse sobre a história de como ela superou sua primeira maratona e como decidiu fazer as 10 maratonas mais difíceis do mundo. Queria que eu contasse como superei o que até hoje me parece impossível: percorrer os 2.500km que separam o Vaticano de Santiago de Compostela passando pelo Caminho de São Francisco de Assis e de Santiago de Compostela. Ela queria dar mais do que esperança para quem, de uma forma ou de outra, perdeu tudo o que tinha: em alguns casos a dignidade, a esperança, o sonho.

Quem herda não furta. Meu avô, em Teófilo Otoni, era constantemente chamado para "acalmar os doidos de rua". Quando alguém em situação de rua estava agressivo ou bêbado, meu avô paterno fazia as vezes desse abraço social, no lugar de um padre ou de um policial, como um conselheiro mais velho... Meu avô materno, delegado da lagoinha na época em que existia só "ladrão de galinha", constantemente passava um sabão e chamava à responsabilidade àquele que tinha se exaltado e perdido a compostura, o bom senso, tinha sido agressivo ou estava "na sarjeta". Quando "conduta" era uma palavra que ainda fazia sentido, independentemente do seu status social...

Recentemente, minha namorada me fez essa mesma pergunta: Qual é o seu sonho?

Eu não soube respondê-la... De alguma forma, tenho tentado aprender com os encontros que a vida me oferece, as ligações que às vezes vem sem que estejamos esperando e que nos conectam ou reconectam com essências buscadas ou perdidas.

No Albergue Municipal Tia Branca, Érica Machado e a também Psicóloga Tânia Campos, deram as mãos ao Tio Flávio e resolveram mudar a realidade dos que ali estavam, alguns já prontos para iniciar a volta por cima.

Foi dessa maneira que surgiu o CORREDORES DE RUA - o grupo dos que decidiram voltar a sonhar e simbolizar isso através de atitude desportiva. Sob a tutela sempre atenta e o carinho da assistente social voluntária Alcione Mesquita, temos nos encontrado com os "meninos", como diz a Érica, às 6:30h da manhã, na hora da abertura do Albergue, às segundas e quartas. E outras ligações começam a ser feitas...:

A Lara Guimarães da Tônus Fisioterapia resolveu dar a avaliação fisioterápica necessária a todo o grupo, bem como a consultoria aos alongamentos e aquecimentos;

O Dr. Carlos Eduardo, cardiologista amigo da Laura, resolveu avaliar a condição física dessa galera, fazendo eletrocardiograma, inclusive, começando dos mais velhos para que todos possam participar com segurança;

O Volnei Prado de uma das melhores equipes de treinamento de corrida do Brasil, a HF Treinamento Esportivo já nos estendeu sua mão e vai ficar responsável pelas planilhas de treinamento da turma.

A linda da Adriana do Mocca Coffee and Meals, do seis pistas, deu não só café da manhã pra essa turma, mas vai disponibilizar o lanche pra eles nos treinos especiais.

Além disso, já fizemos um primeiro treino beneficente (com o café gostoso do Mocca), quando os atletas da HF e amigos de todos nós se juntaram para dar os 16 pares de tênis, acompanhados de toda a vestimenta necessária aos corredores.

Pelo visto, essas ligações não vão ter fim.

Se você leu até essa linha, talvez possa se juntar a nós, e descobrir como você vai se tornar mais um passo rumo à linha de chegada dessa turma, que pode também ser a sua. Se ainda não estiver preparado, torça por nós. E se passar por um monte de maluco correndo pela rua enquanto sorri parecendo estar sonhando acordado, não se assuste. Apenas buzine, abane sua mão, jogue um beijo, ou nos deseje sorte.

Todos precisamos.



Comentários

Muito bacana, parabéns pela delicadeza. Bj Vic

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