Vale tudo





Estou destituído. Estou detonado. Estou possuído, arrasado, subvertido, arruinado, falido, afundado.

Enlameado.

Não quero mais o mármore branco com veios champagne, não quero mais a cozinha gourmet associada a la joie de vivre, o vinho caro e o untuoso opulento foie gras. Nem tinto vinho.

Vem. Preciso me lavar primeiro. Estou sujo de barro.

Como vou poder entrar em casa e limpar meus pés no tapete persa? Como vou me deitar na cama de roupa de cama de linho egípcio 3.000 fios comprada na Trusseau? Como vou abrir os armários para pegar as vasilhas Le Creuset para fazer o almoço?

Eu pingo lama. Nas minhas veias correm um barro sujo imundo, de minério, sangue ferroso que um dia me orgulhou. São minas, mas não são gerais. É pra poucos. É para o governante que não se compadece, e tem dozinha de empresa que nem imaginava que isso podia acontecer... É para o que não teve seu filho desaparecido, não teve seu pai afundado, atolado, esmagado, espremido, afogado, sem ar, sem força, sem vida dentro da boleia de um imenso e forte caminhão. Como?, se esse pai é o herói desse filho?

Há ninhos com ovos que nunca mais verão a luz do dia. Há peixes tentando a todo custo respirar terra vermelha, cor de casebres singelos. Há quem durma essa noite na espera. Há quem nunca mais vai dormir sem ser na espera.

Espera, e não vamos fazer absolutamente nada?

Vamos. Já sei. Quem sabe se vale batermos umas colheres de pau numas panelas? Sim, vale, vai mudar muita coisa. Ou, quem sabe, se vale eu deletar do meu facebook quem não concorda comigo? Sim, vale, teria efeito imediato. Vale, sim. Vale, mesmo.

Vamos. Vamos dar umas seis garrafas d’água pet de dois litros, pra ajudar as vítimas do meu voto. Do seu voto. Vítimas que também não sabem o nome dos vereadores, dos deputados estaduais, dos deputados federais em quem votaram em quase todas as eleições. Talvez só se lembrem para sempre do que não tem nome, agora, já que está debaixo de metros e metros cúbicos de barro, caldo grosso e espesso, silêncio e dor absolutos.

Vale da morte: o vulcão da ganância e a explosão de descasos fizeram de Bento Rodrigues a Pompéia mineira. 



Gostaria de pedir ao Governador do Estado para fazer outro depoimento. Dessa vez com o nariz tapado e uma colher de sopa de terra enfiada na boca.

Claro: escuro. Calo.






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