Um dia atípico

Ontem foi um dia atípico.

Às 21h paramos na avenida do Contorno, logo após a trincheira para comer um sanduíche. De lá, eu ficaria no Hospital Felício Rocho para dormir com meu primo que fez uma cirurgia. Decidimos parar ali  pra que eu comesse algo porque ficava mais fácil, mais simples, é bem próximo ao hospital. 

Antes de fazermos o pedido, o comentário do atendente: –Quebraram o vidro do carro preto do outro lado da rua. Estão levando uma mochila.

Saí em disparada atravessando a avenida entre carros acompanhado do motoboy da lanchonete: –Vai por aqui que eu vou por ali!

Bom, levaram meu computador pessoal. Todos os meus arquivos de áudio dos últimos 5 anos. Levaram as primeiras páginas do livro novo, que demorei 8 meses pra conseguir encontrar a forma de escrevê-lo, levaram a apresentação da palestra que eu darei hoje e que demorei também 8 meses pra que ficasse pronta. Não, não havia backup dessa palestra, ontem era sua finalização, hoje eu faria o backup.

Curioso. A palestra é para os detentos de uma penitenciária de Nova Lima.

Daqui da cama, onde me deito pra tentar dormir depois de uma noite de acompanhamento em hospital, onde só se consegue dormir por umas 3 horas, leio os dizeres de um pensamento escrito carinhosamente no espelho do banheiro: "Lo que buscas te esta buscando también" –Rumi. Penso no meu computador. Penso na minha filha. Penso no trabalho de 8 meses. Penso no trabalho de mais de 5 anos. Penso no valor das coisas. Penso que hoje cedo vi uma reportagem sobre o vandalismo em BH, ruas, praças, obras, prédios, arte, tudo pichado. Penso na paz. Penso no amor. Penso na Dilma e na falcatrua da Petrobrás. Penso nos políticos do mensalão, todos, com suas penas revistas. Penso no coitadinho do Lula, que não sabia de nada. Penso no filho do Lula, que virou ninja nos negócios depois que o pai foi eleito. Penso na educação moral e cívica, que tive na infância. Penso no Instituto Capibaribe, onde estuda minha filha, em Recife. Penso no que disse o policial no rádio do carro de polícia, quando estava perseguindo um fantasma levando um computador cheio de sonhos, de trabalho, de luta, de vontade de fazer boas ações voluntárias. Penso que vou chegar de mãos vazias na palestra hoje a noite. Penso que os detentos serão vítimas de delinquentes de ontem na noite de hoje. Que roubaram deles mais do que uma linha de raciocínio com o objetivo de lhes plantar outra perspectiva, outro olhar. Penso em Jesus Cristo. Penso no advogado de direito de família contratado pelo pai da mãe da minha filha, médico muito inteligente e conceituado, o mesmo que pediu pra não ser cumprimentado dentro da igreja pelos familiares paternos da neta. Penso que esse pedido foi "em nome da paz".

Penso que não devo mesmo saber o que é paz, o que é segurança, o que é certo, o que é justo, o que estou buscando... Quando ontem, dentro da viatura, o cabo não pode atravessar o sinal vermelho para parar o ônibus que tinha o suspeito de roubar a minha mochila, mesmo com a sirene ligada, penso onde vamos chegar. Se até o bom julgamento e a sensatez do homem da lei são colocados em xeque, o que dizer do cidadão comum?

Penso que não há mais o que pensar. Penso que estou errado. Ontem foi um dia típico.



Comentários

Ana disse…
"To be honest with you, I don't have the words to make you feel better, but I do have the arms to give you a hug, ears to listen to whatever you want to talk about, and I have a heart; a heart that's aching to see you smile again."

(autor desconhecido, pelo menos pra mim)
Unknown disse…
Muito bom, Bê. Os bens materiais são objeto de apego. Respire fundo, conscientize-se da realidade e pronto.

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