Para Norma e Giovana



Estou novamente no Campo das Estrelas. 

Daqui do alto, vejo as Três Marias. Vejo constelações que não sei o nome. Vejo o breu que se traduz em nada, vejo o nada que se traduz em breu. Vejo as nuvens bem abaixo do avião, que sacode um pouco voltando pra casa. 

Hoje, fiquei 4 horas e quinze esperando para conversar com uma juíza. Alguém que nunca vai ter a dimensão do meu amor por minha filha. E que se julga julgadora, julgadora que é. 

No prédio do Ministério da Justiça em Brasília, uma das tantas fontes que adornam a fachada é desligada. São várias, uma não funciona. É uma sábia e triste alegoria que diz da imperfeição da justiça dos homens. Há três anos me encontro nu, embaixo dessa fonte, com minha filha, esperando a água que não vem. Uma promotora de Justiça de nome muito justo, "Norma", achou finalmente estranho o fato de ter um pai e uma filha pelados em plena praça dos três poderes, e decidiu intervir. 

Perguntou ela: será que passado tanto tempo, não era hora da água vir? Há tanto esse pai passa sabão como pode, procurando limpar o que estava sujo, procurando lustrar o que já estava limpo e nem uma gota é permitida a ele? Será que isso é mesmo julgamento justo? Será que não é hora de perceber que a água que sai de seus olhos, por mais que saia dia após dia, nunca será capaz de cuidar da grandeza de um pai e da plenitude de uma filha? 

Talvez eu não escute nunca as respostas das perguntas de Norma. 

Norma não sabe, mas recentemente liguei pra minha filha via FACETIME. Lá, brincando, ela pegou um celular de brinquedo. A mãe disse: vamos ligar pra quem? Pra Giovana, disse ela. E falo o quê pra Giovana?, perguntou a mãe. Fala pra ela não bater na Beatix, disse minha filha, com 3 anos de idade.

A mãe percebeu o que estava por trás da fala da minha filha, sensível que é.

Norma não sabe, mas ontem, ao querer despedir da minha filha, ela entendendo que eu iria pra não sei quando voltar, me ouviu pedindo: Dá um abraço no papai que ele vai embora. Não! Veementemente e com cara de choro. Não! Repetiu. A mãe tentou intervir: vai lá dar um abraço no papai... Não! Vai você! Você que vai dar um abraço no papai!

A mãe não percebeu o que estava por trás da fala da minha filha, sensível que é.

Nem a Norma não ouviu, não estava nos autos, mesmo sendo sensível.

Diz a norma, que pai que é pai, merece se banhar na vasta e volumosa cachoeira do há mar. Sendo ou não ela do lindo e bem cuidado prédio pomposo do Ministério da Justiça. E que essa água não cessa nunca, nem em período de seca. 

Diz a norma, que o bem vence o mal, que a verdade prevalece, que só o amor vence a morte, que a paternidade é um direito sacralizado. Normalmente sim. Daqui, pelo menos, agora, onde as estrelas me confidenciam que nada foi em vão, percebo que nenhum breu é capaz de apagar as luzes das estrelas, nenhuma escuridão de dúvida, raiva, rancor, inveja, mágoa, apaga o brilho do olhar e do sorriso de uma menininha linda, que fica feliz pelo pai dar duas bicicletas de presente: uma pra ela (é minha!!! diz ela) e outra pra quem insiste em ver o breu, e não a beleza redentora e consagrante das estrelas.


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