Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é?




É... Saudade do tempo em que o Zezé do Carnaval era o da cabeleira, não o do Pó Royal. Quando me vestia de bermuda, tênis, camiseta, pegava um troco com minha mãe e ia pro Minas I, de ônibus, brincar no baile. Voltava à pé. Ou ficava horas no vazio ponto de ônibus, no escuro, esperando a condução.

Hoje, na frente do Hospital São Bento, tem o bloco dos Irmãos Metralha, na descida na Nossa Senhora do Carmo tem o bloco do Al Capone, no Gutierrez tem o bloco do Ali Babá e os 40 ladrões, no Santo Antônio tem bloco o ano inteiro dos “Carangos e Motocas” e o bordão “Eu te disse, eu te disse!” não é mais dito por uma motoquinha com cara de boboca. É por alguém que já caiu no esquema do assalto relâmpago, do sequestro relâmpago, do motoqueiro relâmpago. Sem falar no bloquinho da Serra do Cipó, onde o carnaval pega fogo, e no carnaval da periferia, onde é samba de roda o ano inteiro. Top-top. Põe na roda e seja o que Deus quiser... tadinho de Deus: brasileiro, queria um samba-exaltação e nós só soubemos fazer samba-de-breque. 

E, curioso, em nenhum desses quero brincar. Aliás, parei de brincar. Tenho saudade de quando a brincadeira de Polícia e Ladrão da infância era só um espelho dos seriados norte americanos ou um arremedo romântico de Velho Oeste. Acho que a gente sempre queria ser o bandido porque o bandido da infância se misturava à filosofia de Robin Hood, quando legal é tirar dos ricos perversos pra dar pros pobres. Hoje, não. Não quero ser bandido. Bandido hoje mata por um celular. Por cem reais. Põe fogo em casais que só estão querendo descobrir o amor, encontrar a natureza, ver a beleza das plantas, dos bichos, encontrar a paz. Esses são queimados. 

Cuíca pro Black Bloc. Reco-reco não é mais o Recruta Zero, bumbo explode rojão na cabeça de cinegrafista que nem parte com a ideologia da TV que representa tem, só está ali tentando defender o pão dos filhos, a cerveja de domingo, o sambinha na laje. 

A percussão toca fundo meu coração de menino, que acredita que tem jeito, que não quer que a filha sofra as mazelas do fim do mundo que já está aí e fazemos vista grossa. Porque votar que é bom, ninguém sabe. O samba enredo dos vereadores que nos representam pode ser tocado sem que absolutamente ninguém ouça. Você sabe o nome dos políticos que ganharam seu voto? E qual a participação deles durante seus mandatos? Eles costumam fazer sambas, fretes ou leis? 

Sair às ruas pra quebrar é muito fácil. Quero ver sair às ruas para construir. 

Meu samba-enredo não rima. Seu ritmo é fúnebre e silencia com os parentes e amigos dos que perderam seus entes recentemente, dos que estão com medo depois de serem ameaçados dentro de seus carros, suas casas, suas ruas, sua cidade, seu país, seu lugar. Talvez o verdadeiro protesto seria este: as ruas totalmente desertas e silenciosas no carnaval. Porque neste carnaval, quero prestar atenção para ouvir o barulho afiado da tesoura que poda os cabelos do triste Zezé.


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