O Caminho in verso



À noite vem, coaxar de sapos. Um curiango pia no mato, na grota que é só breu e perguntas. O vento venta bailar das folhas das pontas, as estrelas estrelam o estrear dos pontos de luzes, ouço a corrente que arrasta impaciência no cimento do canil.

A lenha já é espera, paus secos, folhas mortas, pau ferro, candeia que arderá. Ascendo aos céus, acendo na terra a fogueira que começa, divagar, devagar a vontade de crepitar. Fogueio.

Meu pai é vem. Ele já vovô: – Filho, pega o acordeón pra mim. Pego, pai.

– Pai, faz a volta ao mundo? Peço. E me sento do outro lado do fogo, na linha de vê-lo à luz laranja e negra do existir poético noturno. Ele tec o couro que prende o fole. Fuuuu. E arrasta a palma da mão no teclado, cabeça baixa, como se carinhasse o instrumento olhando de por sobre.

Aos 11 anos, meu pai dava aulas de acordeón. Antes, tocava no piano de mentira, teclas desenhadas sobre a mesa, de quem não tinha dinheiro pra comprar um instrumento. Foi imaginando os sons das notas que completava toda música dentro de si. De dó. De sol. Aos sessenta e muitos é viajante que vai em busca da música própria de existir apesar de.

Somos só sombras com nesgas de brilho em forma de música.

Astor Piazzolla. Ennio Morricone. Frank Sinatra. Charles Aznavour. Gianni Morandi. La Cumparsita de Gerardo Matos Rodríguez. Garota de Ipanema, de Vinícius de Moraes. Umas do oriente, que não conheço o nome ou autor. Só sei o que evocam da minha fantasia de menino. De Neil Diamond passando por Ravel e terminando em Maysa, tem de um tudo. Tem clássica, tem de São João, tem de Carrossel. Tem a volta ao mundo em forma de músicas, lembranças, filmes, culturas, humores, amores. Tem de a a zê.

É que, de mochila, cruzei três países e mapeei um coração. A mochila do meu pai é seu acordeón de 120 baixos. A música, seu Caminho. Quem senta ao seu lado, na noite estrelada do sítio, viaja com ele, acordes pra ser levado aos quatro cantos do mundo...

E as fagulhas viajam estrelas, em partitura pro céu.



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