Gilberto Gil, 70 anos.




Tenho muito a escrever para Gilberto Gil.

Mas não vou, não posso. Gil encantou minha vida inteira. Ele merece o mesmo, e não posso lhe prometer isso por meio das palavras.

Aos 3 anos de idade, eu cantava "Refazenda" (que chamava de "Abacateiro") inteirinha. Sempre sonhei em ouvir minha filha cantando a mesma música. Nas férias, o disco novo do Gil era ouvido na fita K7 colocada no carro, quando a família viajava pra Bahia, ao longo dos anos. De Panorama, de Opala, de Monza.

Amores embalados por Gil, tristezas abrandadas por Gil. Aprendi que a depressão até encosta, mas não faz morada quando ouvimos sua música talismã no último volume, preferencialmente a gravação do CD Quanta Gente Veio Ver, de 1998 - emendada com a introdução do CD."A gente escolhe uma música pra ser um talismã. No meu caso, escolhi Palco." - diz Gilberto Gil, em entrevista a Globo News. Acho que os médicos deveriam prescrever esse CD aos que sofrem de amor. Sim, porque nada me tira da cabeça que a depressão está ligada a isso, à falta de amor, independentemente do tipo de amor (você sabe, são vários).

Gil, música tema. Gil, música nossa. Gil, lembrança do amor que se foi e Gil pro amor que ainda virá. Ou pro amor que está aí e a gente ainda nem consegue ver. Gil é um artista do amor. E escrevo isso sem medo de ser piegas, sem medo das críticas, sem me preocupar com os críticos que olham para os seus umbigos e não pro primeiro beijo embalado por "Estrela", de Gil (tem no mesmo CD!: médicos da alma e depressivos de plantão, ouçam minha dica!).

Eu poderia buscar nas 523 músicas que constam em seu site excelentes argumentos, argumentos de fundo, que embasassem meu ponto de vista, que calaria a boca dos críticos beócios, que não respeitam os 70 anos de um artista, como vi um deles falar sobre o Caetano essa semana, mas não. Acho absurdo que não possamos falar só bem de alguém. Que é falta de amor. Que podemos espalhar o que achamos de bom, que muitas vezes se pode suprimir o que é ruim, em prol do bem, do bom, do belo. Ninguém é 100% genial. Não me interessa que existam músicas ruins dentre as 523 músicas do Gil. O que me interessa são as que ouço dessas 523. As que me fizeram sonhar, as que embalaram meu sono, as que calaram minha dor, as que me consolaram no desespero, quando não pude ligar pra ninguém, chorando, doendo, deitado sozinho no quarto. As que me abraçam, quando sinto saudades da minha filha, a 2.200km de distância... Gil sempre esteve ao meu lado, Gil nunca me abandonou. O artista constrói suas pontes com palitos de picolé, pontes que nos levam ao sonho, ao desejo, ao orgasmo, ao riso simples e frouxo, à febre de nos sentirmos vivos.

Gil, com 70 anos, só vai morrer quando eu morrer.

Flora Gil, na mesma entrevista, diz de seu jeito Zen, que "O que ele gosta é de sombra e agua fresca mesmo..., coisas simples.". Eu, penso que poderia escolher pelo menos uma música, que ilustrasse bem esse simples comentário amoroso do Blog, ao meu amigo de 70 anos, em tom de homenagem. Acho que uma boa música seria "Amarra o teu arado a uma estrela". Não, acho que poderia ser "A linha e o linho". Não, não, acredito que "Estrela", que já citei, seria bacana. Ah, não, "Queremos saber". Se bem que "Aqui e agora" seria um maravilhoso exemplo... Ou, quem sabe, "Deixar você", pra abordar outra linha? É que eu queria fugir de "Drão", "Superhomem, a canção", "Se eu quiser falar com Deus", entende?

Bem, acho que me fiz entender. No último show que fui de meu amigo Gil, estive com ele, lhe dei um abraço e lhe entreguei meu primeiro livro CD, de nome 8, que foi dedicado a ele. Demorei 35 anos pra fazer esse trabalho, e Gil tem uma parcela grande de responsabilidade nisso. Tanto de ter feito, quanto de ter demorado a fazer. Já comentei isso aqui no Blog. Do mesmo ano do meu trabalho, 2008, Gil tira de sua cesta mais uma dessas músicas que ele colheu nas estrelas. Uma música que ainda quero cantar pra minha filha, se Deus me der saúde. Uma das que me emocionou muito no seu último show: "Não tenho medo da morte".

Penso que, em última instância, esse texto não é só pro Gil, é pra minha filha de um ano e quase seis meses, há 2 dias do Dia dos Pais que não vamos poder passar juntos: que eu possa lhe mostrar as músicas de Gilberto Gil que gosto, filha. Todas. Que a gente possa escutar juntos, sonhar juntos, rir juntos, chorar juntos, e continuar o aprendizado eterno de amar. Encontrei o verbo untar na palavra JUNTOS. Unto do mel do amor essa palavra importante pra nós, filha. Na companhia bonita e encantada do Gil.

Parabéns, querido Gilberto Passos Gil Moreira.
E feliz Dia dos Pais para o meu pai, para o Gil, para quem é pai e para mim.



Comentários

Trema disse…
Querido Bê,
Você tece palavras como Gil compõe música. Seu bordado de pai de Beatriz vai sendo feito com carinho para ser sempre arrematado por ela com o amor que vocês sempre terão um pelo outro.Beijo

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