Quantas vidas tem o Batman?


Estou cansado de chorar.
E não estou nem aí em confessar minha humanidade.
Ouvir a chamada do jornal, que o ator Christian Bale visitou as vítimas da tragédia nos Estados Unidos me chacoalhou por dentro. Eu, que sempre fui o Batman, me encontro menino, sozinho, no cinema, no limite, na fronteira entre a realidade e o sonho, entregue na cena absurda, quando vejo um vilão da vida real quebrar todo o pacto sensível para matar. Para me matar.
Ele não matou só quem morreu. Ele mata o sonho de todos que ali estavam. Ele mata o sonho de todas as famílias dos que ali estavam. Ele mata o sonho de quem ainda acredita no sonho.
Se Batman pudesse, iria atras dele. Mas ele está do outro lado da fronteira. Na ordem do sonho.
E Batman, então, morre. Foi morto por James Eames Holmes, junto com todos os Superamigos.
Vejo-o ajoelhado na tela, inseguro, atingido, chorando também, em uma tristeza profunda, não por estar morrendo alvejado por balas da vida real, mas por não poder transpor o limite físico que o separa do sonho para a sala do cinema. Nem com a ajuda dos óculos 3D. Se sente um fantasma, um sem poderes, um qualquer, um desamparado, um com buraco, que não se pode valer do Outro, nem do pacto provisório de acreditar no sonho por 2 horas apenas, nem mesmo no dele, do Batman.
"As palavras não podem expressar o horror que sinto" - diz Bale, segundo o Bom dia Brasil.
O ator interrompeu as viagens de promoção do filme na Europa para o ser humano voltar aos Estados Unidos e visitar as vítimas do massacre. Christian Bale tenta salvar o Batman. Tenta restabelecer a ponte que se quebrou naquele dia fatídico.
A ponte sutil por onde passam os sonhos pode sim ser ruída, quebrada, desaparecer para sempre. Ontem, senti um pouco mais de tristeza. Deitado, já na madrugada, lendo o último Rubem Alves que minha amiga Carol me deu de presente: "Fui terapeuta por vários anos. Ouvi sofrimentos de muitas pessoas, cada um de um jeito. Mas por detrás de todas as queixas havia um único desejo: alegria. Quem tem alegria está em paz com o universo, sente que a vida faz sentido." - diz esse outro mestre, em seu livro. Paro um pouco. Me lembro do que disse minha outra amiga, a Kamei: "desde novembro passado você perdeu seu brilho, perdeu a alegria." Acho que é por isso que fiquei um pouco mais triste quando li esse fragmento. Tenho medo de Rubem Alves estar certo nesta última frase sua. Quanto mais em um momento que não posso pedir ajuda ao Batman.
Acho que agora é hora. Preciso desesperadamente salvar o Cavaleiro das Trevas. Precisamos todos salvar os Superamigos. Precisamos salvá-los já, enquanto minha filha tem um ano e cinco meses e ainda cresce, enquanto seu maior herói é a Galinha Pintadinha.
Convoco Christian Bale, Rubem Alves, todo pai, toda mãe, todo ser humano, todo poeta, todo contador de história, quem chora, quem sonha e quem, como eu, já sonhou um dia, para, com alegria, tentar a qualquer custo salvar o Batman.


*na foto, o ator em sua visita, junto aos médicos que cuidam das vítimas .

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