Hera é




No frio, a janela do quarto ficava fechada.
Ele levantava cedo e ligava o chuveiro para esquentar o box, enquanto ela ronronava na cama desarrumada pela madrugada afora. Conhecia cada gesto, trejeito, conceito, espera. E deita mais um pouco, pra amanhecer dentro deles a manhã que já acordou lá fora.
Tinha passarinho e fresta de luz. Tinha arranhado na porta. Tinha detalhe, segredo, pele clara, pele quente, sorriso.
Tinha tudo que era preciso.
Pernas que se enlaçavam, cabelos desgrenhados, edemas que nasciam felizes, crias do não me deixa.
A vida era ida sem volta, eles corriam na relva da cama, eles brincavam na trama
de não existir sem doer.
A morte acompanhava de perto a vida absurda ao extremo, o sumo da vida sugado, nas bocas, nas unhas, na inspiração, o perfume.
Coração-lume.
O vazio era tão enorme, imenso, vasto, profundo, que brincavam de jogar um ao outro no precipício de si.
Suicidaram-se, muitas tantas vezes. E lambiam as feridas dos corpos caídos do outro, até que lágrima, vinha, e o abraço os unia em acolhimento verdadeiro, por inteiro, somente semente a nascer.
Meandros de ser.
Foram.
Eram.
Por eras e heras...

E o Universo silencioso em curva não revela suas esquinas.




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De onde vem tanta inspiração, meu Deus do céu?

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