Você faz Amor em 15 minutos?



Escreveria um livro sobre este carnaval.

Mas vou escrever só um post. A Árvore do Amor, de Zhang Yimou, filme que vi sozinho em Brasília, lugar para onde fugi, foi um presente mágico desses dias.

Fiquei com um pouco de pena do casal, que deveria ter aproximadamente 21 anos, cada, que saiu 15 minutos depois do filme começar. Fiquei com pena do mundo onde esse casal vive, mundo onde as relações são todas de consumo. Até as interpessoais. É difícil ver um filme como A Árvore do Amor quando as referências todas são balizadas pelo mundo do consumo. Há quatro meses sozinho, penso o quão difícil é estabelecer uma relação hoje em dia, em que não sejamos perpassados em algum nível pela tutela do consumismo. A roupa, o presente, a viagem, a pessoa, o status, o programa, consome-se tudo. E tem que ser rápido. O mundo do consumo não pode esperar. Aliás, não se pode esperar nem 15 minutos... onde já se viu? Em 15 minutos de filme um não consumiu o outro? Que saco... Deve ser chato mesmo.

Ela, Jing. Ele, Sun.

Meu lado fonético, linguístico e poético já fica com vontade de brincar e só consigo ouvir e ver "Jing" como um sino, um tilintar, um estalo, um flash que brilha... enquanto Sun, pra mim, vira o sol mesmo, iluminando a vida de Jing...

No filme, várias cenas maravilhosas. E olha que nem gosto de usar esse adjetivo.
E se você não viu o filme (e quiser ver) pare de ler agora.

A cena das mãos que se dão são poema à parte. A solução do graveto é incrivelmente bela. A lavagem dos pés, indescritível. A vontade do beijo, fascinante. Mas o que mais me tocou, sem dúvida alguma, foi seu abraço distante. Sun e Jing se abraçam em margens opostas em um rio. Há um rio entre eles, que corre, que lava, que leva. Da margem, do limite físico que os impele à distância um abraço comovido os une, pra sempre. Ninguém aparta esse abraço. Nem o rio, nem o tempo, nem a mãe, nem a dor, nem a doença, nem a morte. Foi Thomas Mann que disse que é o amor, não a razão, que é mais forte do que a morte. E esse abraço prova isso. Me senti abraçando minha filha, que vive a um rio de 2.300 km de extensão de distância. Me senti abraçando um amor que se foi, e que se foi nadando pro outro lado do rio, me senti abraçando as justiças do mundo, que sem elas não há, não pode, não dá. Abracei a mãe que quer o filho saudável, o pai que quer um emprego, a vó que só faz se maravilhar com a neta, a mãe que defende a filha sem saber a filha que tem, o menino que está com medo, a menina que não assume os erros, o amante que não sabe o que faz, o padre que acredita, o músico que ama seu trabalho, o casal que não sabe o que perdeu por ter saído tão cedo do filme e que não sabe que quando um tiver consumido o outro, tudo vai se acabar... Terminei por abraçar um espelho que, na outra margem, fincado na areia, reflete uma pessoa simples, só, cheia de defeitos, mas que sabe esperar mais que 15 minutos para amar pra sempre.

E vale ver o filme de novo, pra ver novamente o espelho e ficar atento à última fala...

Comentários

Pequena disse…
Lindo, Bê. Valeu como terá valido quando eu vir o filme.

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