Sonho de Natal



Evangélicos. Muitos, que cantavam e que batiam palmas. Alheios à revolução que acontecia, apesar da minha incompreensão. Dividindo a escola com os evangélicos, nós, refugiados, espremidos nas salas, vagando nos pátios, tentando localizar um ou outro, que havia sumido há dias.

Não consigo me levantar.

Na almofada amarela, me arrasto de um cômodo a outro, sem me preocupar por qual motivo me arrasto, ao invés de andar.

Quem eu menos espero vem pra me abraçar. Me olha com um olhar carinhoso e diz que apesar dela ter sumido, que ela está bem. Que teve notícias que ela está bem, que ela não teria sumido se não fosse por eles. Não sei quem são eles, mas eles a têm em cativeiro. Olho na tv, na parede da escola, e os desenhos animados, ao invés de historinhas infantis, estão dando notícia da revolução, de modo dramático, não de modo jornalístico.

Ela passa a mão na minha cabeça, me olha com aqueles cílios marcados, cola seu corpo em meu ombro, eu de joelhos, e diz que ela não sabe bem o que aconteceu, mas que não é culpa dela, não é culpa de quem sumiu.

Ouço um estampido e sirenes, todos se agitam, muito barulho e intranquilidade. Os evangélicos batem palmas, de costas para nós, angustiados. De repente, eles trazem um pai desmaiado, que sangra muito, enquanto acompanho toda a cena com o olhar. Não vejo seu rosto desacordado, ele está sendo levado. Deitado sobre ele, em seu peito que sangra, reconheço seu filho, que olha pra cima e pergunta aos quatro para onde estão levando seu pai. Eu sei quem é ele. Seu filho está bem, não sabe o que está acontecendo. Os evangélicos batem palmas e me acordam no dia 25 de dezembro de 2011.

No presépio que montei em minha casa, o menino Jesus continua bem pertinho do São José.



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