Os pés do tempo


"Seu pé não mudou, não. Só cresceu. Esse é o mesmo pezinho sentado na tampa de cimento da casinha do botijão de gás do quintal da casa da vovó. Engraçado... me lembro como se fosse hoje, você sentadinho, chupando manga..." - disse minha mãe, ontem, acariciando meu pé em seu colo.

Ontem, pouco antes, quando corria no Belvedere, vi as quaresmeiras da Zuzu Angel.
Em fevereiro do ano passado escrevi aqui sobre elas. Estão floridas novamente.
Seus pezinhos são os mesmos, mas cresceram, floriram, correram, pegaram vento, chuva, sol, fizeram seu Caminho de Santiago, viram seu amor correndo, viram seu amor chegando, viram seu amor partindo, conheceram jardineiros prantos, encontraram encantos. Prometeram sofrer não mais, fizeram outros carnavais, viram o mar de morros daqui. Fizeram amor com a borboleta, e que amor! Se cantaram com tudo, tudaram amor, encantudoforam e viveram e viveram. Esverdejaram e verdaram e verdifizeram-se folhas em galhos tantos.
Sobreviveram.
Veio o tempo, vejo o tempo, veio a espera. Vejo o sol da primavera.
E mesmo no verão, disseram: vocês verão!
E brotaram.
Estão todas lá, sentadas no cimento, em cima da casinha do botijão de gás, pra todo mundo passar e olhar. Uns sem ver, outros, sem enxergar. Mas sim: lá estão elas, pra quem quiser parar e sonhar.
E meus pés aqui, felizes com o carinho da minha mãe.

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